Fonte:COERENCIA ESPÍRITA BLOGSPOT
Conviver com o diferente
Não é raro surgir acusação de que os espíritas que anseiam por uma maior coerência com os princípios doutrinários na verdade seriam pessoas sem habilidades para "conviver com o diferente", alias ultimamente vem se apresentando como regra tal argumento. Mas em que consiste esse "conviver com o diferente"? Oras, espera-se que o convivio seja com quem for, sempre prime pelo respeito, o qual devera ser em duas vias, ou seja, ambos respeitam para serem respeitados. Mas o que parece entender a maioria que evoca o argumento de que "não se sabe conviver com o diferente"? Demonstram que em sua acepção o conviver com o diferente envolve anular-se a tal ponto que deixem de existir as diferenças e reste apenas um amalgama que nunca representara na totalidade nem uma coisa, tampouco outra. Oras, se é necessário saber-se conviver com o diferente, importante é que se preserve as diferenças, r espeitando-as, conhecendo os limites de um lado e de outro.
Por fim a pergunta: Por que não sabem eles conviver com o diferente, já que o diferente é também aquele que deseja a coerência doutrinaria em sua essência? Ou porque esse "diferente" não merece ser respeitado em seus princípios e valores?
Esse texto de Marilene Lemos se encaixa perfeitamente nesse questionamento sobre a identidade do movimento espírita. Devemos ver os bons frutos sim, mas devemos saber distinguir as árvores pelo que produzem; preservando assim respeito às diferenças tão saudáveis.
Por fim a pergunta: Por que não sabem eles conviver com o diferente, já que o diferente é também aquele que deseja a coerência doutrinaria em sua essência? Ou porque esse "diferente" não merece ser respeitado em seus princípios e valores?
A Mangueira Maluca
-Na minha terra tem uma mangueira que ficou caduca. De repente começou a produzir caju, goiaba, mamão, tudo quanto é qualidade de fruta. Alguém perguntou: -- Mas abacaxi, aposto que ela não dava! -- Dava sim... mas só no tronco, assim bem perto da raiz.
Pensei comigo, coitada da mangueira, perdeu a identidade, será que ela se conhece? Lembrei-me de quem não sabe quem é, nem sabe do que gosta. Pensei nas pessoas, raças, comunidades inteiras massacradas e descaracterizadas por poderosos e pelas imposições de crenças diversas. Os gigantes insaciáveis não nos lembram as nossas crianças "super-poderosas" e exigentes?
No alto de uma montanha havia um castelo. Nesse castelo morava um gigante. Ele e a mulher, gigante também, tinham muitos filhos. Esses filhos foram crescendo, crescendo e se tornando ainda maiores que os p ais. Eles eram tão gulosos, comiam tanto, que o pai já não sabia o que fazer para alimentá-los.
Certo dia, chegou ao castelo um outro gigante. Ele viajara pelo mundo inteiro e contava maravilhas sobre os lugares que conhecera. Os meninos gigantes ouviam atentos todas aquelas histórias. Interessaram-se. ainda mais, quando o hóspede falou sobre um lugar maravilhoso, distante, além das sete montanhas e dos sete mares.
Tratava-se de uma planície com um imenso pomar. Todas as espécies de frutas que se pudesse imaginar eram ali encontradas e mais saborosas que as de outros lugares conhecidos. Entre uma árvore frutífera e outra, canteiros de flores, as mais coloridas e perfumadas, cobriam o chão. Realmente, nunca vira coisa igual! Os olhos dos filhos gigantes brilharam e logo estavam lambendo os lábios...
- Vamos l ogo para esse lugar, disseram em coro! Não importa que seja longe, temos as nossas botas de sete léguas!
O pai sentiu-se até aliviado com a partida dos filhos, passaria um tempo sem ter de providenciar comida para eles.
Seguiram o caminho indicado pelo visitante e logo avistaram o tal pomar - maior do que imaginavam. As flores das alamedas soltavam um perfume agradável, confundindo-se com o perfume da fruta madura. As árvores estavam carregadas.
Os gigantes, famintos depois da caminhada, avançaram nas frutas como um bando de urubus. Com os pés enormes pisavam nas flores, destruindo-as.
Um furacão não teria feito estrago maior. As flores, arrancadas dos pés, espalhavam-se pelo chão. As frutas, nenhuma permanecera presa nos galhos, até as ainda verdes faziam companhia às flores amass adas. Também os galhos foram danificados, quebrados, folhas arrancadas.
Depois de alguns dias, saciados, voltaram à casa do pai. Chegando ao palácio, relataram como haviam se fartado. Foram indagados pelo hóspede gigante:
-Vocês pretendem lá voltar?
- Claro!
- Espero que tenham deixado tudo em ordem, as flores em seus canteiros, as frutas amadurecendo nos pés e nenhum galho de árvore destruído...
Os gigantes olharam uns para os outros e só então se deram conta do mal praticado.
O hóspede continuou:
- Vocês sabem: as flores alimentam as abelhas que fazem a polinização, os galhos quebrados podem matar uma árvore, as frutas atra em os pássaros. Eles são importantes para o equilíbrio entre esses elementos.
Se destruíram o pomar, quando lá voltarem não encontrarão uma fruta sequer.
Pela expressão dos jovens gigantes, o hóspede soube logo da verdade.
- Ainda há tempo, voltem lá e consertem a desordem que fizeram. Colem cada flor na sua haste, cada fruta, que estiver no chão, em seu galho.
Os gigantes calçaram novamente as botas de sete léguas e voltaram ao pomar.
Colaram as flores nos caules, o mesmo fizeram com os frutos verdes e maduros espalhados pelo chão. Eram tantos os frutos, e eles, impacientes e desajeitados, logo se cansaram.
Sentaram-se para repousar debaixo de uma mangueira, a maio r e mais antiga árvore do pomar. O trabalho não terminara, balaios e balaios estavam cheios de frutas. Para abreviar a tarefa colaram todas elas nos galhos da mangueira. Na imensa árvore via-se, lado a lado, maçãs, pêssegos, abacates, cajus, melancias...
Cumprida a obrigação, partiram.
Aconteceu o inusitado: os gigantes não conheciam as espécies das flores, colaram jasmins em roseiras, cravos em pés de girassol, violetas em caules de crisântemos. O mesmo aconteceu com as frutas: morangos foram colados em pés de laranja, abacaxis em parreiras de uva, jabuticabas em tronco de mamoeiro.
A conseqÃ?ência foi o que se podia esperar. Os pés de cada flor e de cada fruta não foram capazes de produzir coisa alguma. Perderam a receita de como fazer a fruta anterior e não souberam fabricar as que lhes foram impostas. O pessegueiro pendurado de amoras, não sabia se era pessegueiro ou amoreira. Desorientados, pés de flores e de frutas definharam até a morte.
Apenas a enorme mangueira sobreviveu. Continuou reproduzindo, febrilmente, obsessivamente, aquela variedade de frutas que haviam pendurado em seus galhos. Mas também ela já não possuía um nome. Não era mangueira, nem de macieira, nem de mamoeiro...perdera a identidade. Transformara-se numa aberração.
E ela foi enlouquecendo, enlouquecendo...
Quando os gigantes voltaram, viram com decepção que o pomar e os canteiros de flores não mais existiam. Só a mangueira lembrava o antigo lugar. Avançaram sobre seus variados frutos - não tinham sabor.
A grande árvore permaneceu ali, sem serventia. Quem por ali passava espantava-se c om aquela árvore maluca. Fugia amedrontado, aquilo só podia ser coisa do demÃ?nio, uma árvore enfeitiçada.
Um dia, uma fada condoeu-se da velha mangueira. Chamou todos os pássaros e mandou que espalhassem as sementes das frutas. Aquelas sementes, em terreno propício, brotaram e transformaram-se em arvoredos. Quando os primeiros frutos amadureceram, a fada provou um por um - o sabor de cada fruta havia sido resgatado.
A mangueira, cumprida a missão de conservar os gens de cada espécie, primeiro perdeu as folhas, depois galhos e troncos escureceram. Deixou de ser uma coisa viva. Tornou-se um monumento, a lembrança de uma catástrofe.
* Marilene Lemos é escritora e contadora de histórias. Faz parte do Grupo "Conto e Encontro" que atua em hospitais e grupos de convivência. Livro publicado: A Vida Transformada em Histórias, onde fatos da vida real e atual viram metáforas, usando elementos dos contos de fadas tradicionais.
Esse texto de Marilene Lemos se encaixa perfeitamente nesse questionamento sobre a identidade do movimento espírita. Devemos ver os bons frutos sim, mas devemos saber distinguir as árvores pelo que produzem; preservando assim respeito às diferenças tão saudáveis.
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