O que você veria se estivesse na plateia de Chico Xavier na década de 1940? Pra começar, um médium sentado em frente a uma cortina, a cerca de 10 metros dos espectadores. Luzes coloridas surgiriam detrás do pano. Um cheiro de éter encheria a sala. Lentamente, vultos brancos apareceriam - os médiuns explicavam que eram espíritos que haviam se materializado. "Muitas vezes a plateia podia até tocá-los e tirar fotos", afirma o médico espírita Eurípedes Tahan, que por mais de 30 anos acompanhou Chico em Uberaba e participou de várias dessas reuniões. Em alguns casos, o médium expelia uma pasta branca da boca, do nariz e dos ouvidos. Seria o ectoplasma, um produto da energia dos espíritos, considerado prova material da existência do além.
Os personagens principais da noite eram médiuns de outras cidades, acostumados a rodar o país com seus shows. Mas, em algumas delas, o próprio Chico emprestava seus poderes para a materialização. Ficava sentado em concentração enquanto os espíritos surgiam por detrás do pano. Registre-se: materializar uma pessoa, ou fazer surgir massa do nada equivalente a um homem de 70 quilos, não seria tarefa fácil. Seria necessário produzir um total de energia duas vezes maior do que é hoje produzido pela hidrelétrica de Itaipu por ano, segundo os cálculos feitos por especialistas e exibidos por reportagens sobre Chico nos anos 70.
Com shows como esses, Chico foi ficando famoso, graças a reportagens como uma publicada em 1944 por O Cruzeiro, então a revista mais importante do país. Mas ele ganharia manchetes mais bombásticas uma década depois. No fim dos anos 50, Amauri Pena Xavier, sobrinho do médium que também psicografa, deu uma entrevista ao jornal Diário de Minas - dizendo-se uma farsa. "Aquilo que tenho escrito foi criado pela minha própria imaginação", declarou. Só que o rapaz, de 25 anos à época, também insinuou que as cartas produzidas por Chico Xavier poderiam ser uma fraude. "Assim como tio Chico, tenho enorme facilidade para fazer versos, imitando qualquer estilo de grandes autores. Com ou sem auxílio do outro mundo, ele vai continuar escrevendo seus versos e seus livros."
Pegou mal para o tio. Mesmo depois que o sobrinho, denunciado como alcoólatra pelo próprio pai, pediu desculpas publicamente pelo que disse. Chico respondeu: "Não recebi as palavras dele como acusação nem desafio. Tenho a felicidade de possuir amigos que, em matéria religiosa, não possuem a mesma convicção que eu". Acuado pelas críticas na Pedro Leopoldo de 15 mil habitantes, Chico resolveu fazer as malas e partir para Uberaba, um polo do espiritismo onde contaria com o apoio de amigos. Mas não adiantou muito.
A imprensa seguiu na cola. Em 1971, um repórter da revista Realidade, José Hamilton Ribeiro, visitou as sessões de psicografia. E denunciou: tinha truque ali. "Meu fotógrafo viu um dos assessores de Chico levantar o paletó discretamente e borrifar perfume no ar. As pessoas pensavam que o perfume vinha dos espíritos", diz Ribeiro. Os questionamentos colocavam Chico cada vez mais em evidência no país. E o prepararam para aquela que seria sua prova final na mídia, também em 1971: o programa Pinga-Fogo, da TV Tupi.
Por quase 3 horas, o médium foi bombardeado por perguntas. Mas se safou. "Não me constam que obras complexas como a de Platão e Aristóteles tenham sido psicografadas. Não seria por causa da dificuldade?", questionou João de Scantimburgo, respeitado escritor da Academia Brasileira de Letras e homem católico. Chico respondeu: "Com todo respeito ao senhor, eu me permitiria perguntar se eles também não seriam médiuns". Assim Chico driblou os ataques. Disse estar sendo ajudado pelo guia Emmanuel. Foi um recorde de audiência: 75% dos televisores paulistas ficaram ligados no programa até as 3 horas da manhã. A entrevista rendeu retransmissão para 4 emissoras em rede nacional. Estava pronto o mito Chico Xavier.
por Gisela Blanco. Com reportagem de Hellen Samantta em Foz do Iguaçu
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