Aos amigos, como reflexão!
Hippolyte Léon Denizard Rivail (Lyon, 3 de outubro de 1804 — Paris, 31 de março de 1869) teve formação acadêmica em Matemática e Pedagogia, interessando-se mais tarde pela Física, principalmente o Magnetismo. Como escritor, dedicou-se a tradução e a elaboração de obras de cunho educacional. Sob o pseudônimo de Allan Kardec, notabilizou-se como o codificador do Espiritismo, a Doutrina Espírita. Professor, pedagogo e difusor d´O Consolador, a doutrina espírita sugiu graças ao empenho desse irmão que nos orientou ao bem. Abaixo a biografia de Allan Kardec por Carlos A. Fragoso Guimarães.
Allan Kardec
por
Carlos Antonio Fragoso Guimarães
Allan Kardec, 1804-1869
Quem foi e o que fez Allan Kardec
Durante todo o século XVIII, a França se ergueu como o farol intelectual da civilização ocidental. Para lá iam artistas, professores, filósosfos e cientístas. Apesar do esbanjamento e da corrupção da côrte, Paris foi, desde muito tempo, a capital europeia mais atrativa para os intelectuais do continente. Juntamente com a Alemanha, sua maior rival, a França era quem dirigia os rumos do intelecto humano, e foi com o Iluminismo que Paris passou ser conhecida como "a Cidade Luz", pois, depois de tanto tempo à mercê dos ditames do clero e da aristocracia, o homem era incentivado a ser independente, a pensar com a própria cabeça. "Todos os homens são iguais", era o slogan do Iluminismo, que nasceu e teve seus maiores conseqüências em solo francês.
Embora tenha sido, na verdade, um retumbante movimento burguês, com seus lamentáveis e invitáveis excessos, a Revolução Francesa teve o mérito de desmitificar a pseudo-superioridade das classes privilegiadas (a corrupta aristocracia e o hipócrita clero católico), levantando a bandeira contagiante da "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", e da "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão". Evidentemente, a efervescência do período desembocou num paradoxo: surge o império napoleônico. Mas os frutos intelectuais da Revolução permitiram limpar a Europa do velho ranço aristocrático, forçando a melhoria dos direitos sociais em todas as nações do ocidente, fortificando, mais do que nunca, o papel do Direito.
Foi em meio a esse clima de mudanças e de reconstrução de um novo mundo, onde vingava, por toda parte, o perfume primaveril do romantismo, que nasce, a 03 de outubro de 1804, em plena era napoleônica, na cidade de Lyon, Hippolite Léon Denizard Rivail, que mais tarde adotaria o pseudônimo Allan Kardec. Ele era filho de um juiz, Jean Baptiste-Antoine Rivail, e sua mãe chamava-se Jeanne Duhamel.
Conta-se que o pai o iniciou com todo cuidado nas primeiras letras e o incentivou à leitura dos clássicos, já em tenra idade. Denizard Rivail sempre se mostrou muito interessado em ciências e em línguas. Após completar os primeiros estudos em Lyon, Denizard partiu para a Suiça, para completar seus estudos secundários na escola do célebre professor Pestalozzi, na cidade de Yverdun. Bem cedo o jovem de Lyon chama a atenção do mestre, que o coloca como seu auxilar nos trabalhos acadêmicos que exercia, tendo algumas vezes substituido Pestalozzi na direção da escola, enquanto este empreendia alguma viagem de divulgação de sua metodologia de ensino ou era convidado para criar, em outras localidades, uma insituição nos moldes de Yverdun. Denizard também exercia com prazer o papel de professor, ensinando aos seus colegas as lições que aprendera. Ele, apesar de tão responsável, era visto como um jovem amável e espirituoso, mas muito disciplinado. Não há registros de que tenha sido mal-quisto em qualquer fase de seu período estudantil.
Denizard Rivail bacharelara-se em Letras e Ciências. Falava fluentemente vários idiomas. Após ser dispensado do serviço militar, resolve fundar, em Paris, uma escola nos moldes da de Yverdun, que foi chamada de Liceu Polimático. Ele estava empenhado no aperfeiçoamento pedagógico da educação francesa, e, por isso, escreveu vários livros no assunto, tendo sido premiado, em 1831, por seu trabalho, pela Academia Real de Arras. Por esta mesma época casa-se com a professora Amélie Gabrielle Boudet.
Quando tudo parecia ir bem, o sócio de Rivail, que era seus tio, leva o Liceu à ruína, por dissipar, no jogo, vastas somas. Nada restava a Rivail que pedir a liquidação do Instituto a que se dedicara com tanto amor. Com o dinheiro resultante da partilha, Rivail sofre um outro revés da sorte. Após ter aplicado o dinheiro na casa comercial de um de seus amigos, este logo abre falência, por realizar maus negócios, e Denizard se vê na constrangedora situação de nada mais ter.
Para poder sobreviver, Rivail se lança freneticamente a escrever livros didáticos e a trabalhar como contador de três firmas comerciais, o que lhe possibilitou, após o susto e o desespero iniciais, recuperar parte de seu antigo padrão de vida. Chegou a organizar, também, cursos de Física, Química, Astronomia e Anatomia Comparada que eram muito populares entre os jovens da época.
Depois de algum tempo, Denizard Rivail já tinha o necessário para viver com certo conforto e se dedicar ao ensino novamente.
Quase que paralelamente a estes acontecimentos na vida de Denizard Rivail, ocorre nos E.U.A um conjunto de fenômenos que deram início ao nascimento do moderno espiritismo (este termo, espiritismo, foi cunhado em 1857, por Rivail, para distinguir este movimento do de outras escolas espiritualistas). Trata-se dos fenômenos ocorridos em Hydesville, estado de New York, em 1848, na casa da família Fox, que era metodista, e, portanto, longe de ter qualquer queda ou interesse por fatos que poderíamos hoje chamar de paranormais. As fortes pancadas pancadas que começaram a ser violentamente ouvidas no quarto das irmãs Katherine e Margaretta e que se fizeram frequentes por várias semanas levaram a primeira, então com nove anos, a desafiar "o batedor" a reproduzir as pancadas que ela mesma daria. A prontidão das respostas acabaria por marcar o início desse tipo de comunicação entre vivos e mortos (Enciclopédia Mirador-Britannica, p. 4171).
Por esta época, em Paris, estava em voga uma nova moda (como se dizia na época). Tratava-se das chamadas "mesas falantes" ou "mesas girantes", que consistia em se fazer perguntas ao redor de uma mesa ou outro móvel qualquer que respondia através de pancadas às perguntas formuladas. Isto era visto apenas como uma sutil e inexplicável diversão de salão, quando não era encarada como uma brincadeira ou embuste espirituoso. Mas havia quem levasse a sério tais coisas, pois muitas vezes as mesinhas davam respostas corretas sem que ninguém conseguisse provar o descobrir quem ou o que fazia as mesas responderem as questões. Convém notar que esta "moda" das mesinhas que giravam parecia ocorrer em todos os lugares e em vários países, num boom que dificilmente pode ser creditado ao acaso. Em 1854, Deinzard ouve falar pela primeira vez sobre tais "fenômenos", mas sua primeira atitude é a de ceticismo: "eu crerei quando vir, e quando conseguirem provar-me que uma mesa dispõe de cérebro e nervos, e que pode se tornar sonâmbula; até que isso se dê, dêem-me a permissão de não enxeragar nisso mais que um conto para provocar o sono".
Por insistência dos amigos, Rivail presencia algumas das manifestações físicas das mesinhas. Depois da estranheza e da descrença inicial, Rivail começa a cogitar seriamente na validade de tais fenômenos. Eis o que ele nos relata: "De repente encontrava-me no meio de um fato esdrúxulo, contrário, à primeira vista, às leis da natureza, ocorrendo em presença de pessoas honradas e dignas de fé. Mas a idéia de uma mesa falante ainda não cabia em minha mente". E ainda: "Pela primeira vez pude testemunhar o fenômeno das mesas que giravam e pulavam em tais condições que dificilmente poderia se acreditar serem frutos de embuste ou frade (...) Minhas idéias longe estavam de terem sofrido uma modificação, mas em tudo aquilo que se sucedia devia haver uma explicação" (segundo Henri Sausse, in Allan Kardec, ed. Opus, 1982). Foi em 1855 que Rivail testemunha pela primeira vez o fenômeno das mesas girantes. Passa então a observar estes fatos; pesquisa-os cuidadosamente e, graças ao seu espírito de investigação, que sempre lhe fora peculiar, resiste a elaborar qualquer teoria preconcebida. Ele quer, a todo custo, descobrir as causas. Como disse Henri Sausse: "(...) Sua razão repele as revelações, somente aceita observações objetivas e controláveis. (...) Vários amigos que acompanhavam há cinco anos o estudo dos fenômenos, (...) colocam à sua disposição mais de cinquenta cadernos, contendo as comunicações feitas pelos Espíritos (...). O estudo desses cadernos constituiu, para Rivail, o trabalho mais profundo e mais decisivo. Foi por esse estudo que ele se (...) convenceu da existência do mundo invisível e dos Espíritos."
Ele utilizava o material dos cadernos, com as respostas dadas pelos supostos espíritos, para refazer as mesmas perguntas para outros médiuns, de preferência desconhecido dos primeiros. Com base nas novas respostas, Rivail comparava o conteúdo de ambas, e ficava perplexo com as similaridades freqüêntes entre as elas. Ele reformulava as perguntas, e pedia a ajuda de amigos para faze-las a outros médiuns, em outras localidades. Ele recebia as respostas e compilava-as organizadamente por tópicos e assuntos.
Como poderia pessoas que nunca se viram dar as mesmas respostas para as mesmas perguntas, às quais possuiam, frequentemente, um grande peso filosófico e uma amplidão de conhecimentos que escapavam à formação ou aos conhecimentos normais dos médiuns? A única resposta lógica seria a de que agentes inteligentes as dariam por intermédio de certas pessoas com uma sensibilidade psíquica especial: os médiuns. Além do mais, Rivail notou que poderia existir uma extraordinária discrepância entre o desenvolvimento moral e intelectual de um médiun e as comunicações obtidas em estado de transe, que na época se chamava estado sonambúlico, ou, algumas vezes, de mesmerização, nome devido ao pioneiro da hipnose, Mesmer. Sendo assim, a faculdade de comunicar-se com os agentes inteligentes invisíveis independente do grau de desenvolvimento espiritual do médiun, havendo médiuns moralmente medíocres, e até mesmo, perversos, e outros médiuns de grande desenvolvimento moral, que podem, uns e outros, receberem mensagens de cunho elevado ou banal.
Por estarem numa dimensão diferente da nossa, estes agentes inteligentes invisíveis teriam de vivenciar uma realidade própria ao estado vibratório de sua dimensão que explicaria algumas características das repostas dadas. Isso abriria um imenso leque de cogitações e de explicações extraordinárias. Mas Rivail não se deixou levar pelo entusiasmo.
Ele percebeu claramente, desde o início, que muitas das respostas obtidas por meio dos médiuns eram tolas e pueris, e outras tinham muito a ver com os conhecimentos ou as crenças do próprio médium, embora, durante o transe, ele comumente não tivesse consciência do que dizia ou escrevia. Assim, Rivail chegou às seguintes conclusões:
Primeiro, se são agentes inteligentes não físicos que dão as respostas, nem por isso eles parecem ser muito diferentes dos homens vivos, pois suas respostas são parecidas às repostas que qualquer homem daria, inclusive dentro do nível de instrução a que tenham chegado, pois há respostas muito bem elaborados junto com muitas outras muito fúteis. E, segundo, algumas vezes as respostas são dadas de forma não-consciente, pelo próprio médium. Então, seria o agente inteligente do próprio médium que daria certas respostas, em certas ocasiões. Estas repostas não são destituídas de valor. Elas podem apresentar um extraordinário grau de maturidade, mesmo que sejam estranhas ao pensamento normal do médium quando em estado de vigília ou de consciência desperta noraml.
Assim, Denizard Rivail reconhecia clara e lucidamente que as entidades, por serem seres extra-corpóreos, nem por isso eram necessariamente mais sábias que os homens encarnados. Elas mesmas diziam que nada mais eram do que os Espíritos dos homens que já morreram, e por isso mesmo, continuavam tão humanas e cheia de falhas quanto antes. E mais ainda, Rivail antecipou-se extraordinariamente em mais de quarenta e três anos a Sigmund Freud (1856-1939) ao reconhecer uma ação incionsciente pessoal agindo sobre a manifestação mediúnica, algumas vezes. Assim, poderemos nos perguntar, Rivail não teria sido um precursor da cética Psicanálise?
Com o estudo meticuloso das respostas dadas pelos espíritos, por meio de diversos médiuns e em diversas localidades de diversos países, Rivail teve suficiente material para compor um livro. Ele faz uma lúcida introdução sobre seu trabalho no prefácio da obra que fez nascer o moderno Espiritismo: O Livro dos Espíritos, lançado em Paris, em 18 de abril de 1857 (faça um download deste e de outros livros de Kardec na Home Page da FEB). Na capa da obra, está o nome do autor, ou melhor, o seu pseudônimo, Allan Kardec. Rivail preferiu por este nome em sua mais importante obra, para diferenciar sua temática das de suas obras anteriores, voltadas à educação e à pedagogia. E por que Allan Kardec? Bem, certa ocasião, depois repetida inúmeras vezes, um espírito, que se denominava de Z, havia dito a Rivail que eles haviam sido amigos numa vida anterior! Eles haviam vivido entre os Druidas, nas Gálias, e o nome de Rivail era, na ocasião, Allan Kardec. É incrível, mas mais uma vez uma antiga concepção (certeza?) fluente no ocidente desde Pitágoras, Sócrates, Platão, Plotino e entre os povos originários da Bretanha Maior e Menor, como os dos Celtas, bem como como nos chamados movimentos heréticos como a dos Cátaros e a dos Templários, vinha à tona novamente na Europa: a idéia da Reencarnação.
De uma profundidade filosófica e psicológica desconcertantes, O Livro dos Espíritos possui passagens e reflexões que vão muito além do nível de conhecimento ordinário de sua época de publicação, inclusive no que tange aos aspectos científicos da obra. Citemos, só de passagem, a noção de evolução das espécies vivas dado pelos espíritos e comentado por Kardec, publicado nesta obra um ano antes do livro seminal de Charles Darwin, A Origem das Espécies, ou , ainda, da indentidade entre matéria e energia (chamado por Kardec de fluido universal), que se diferenciam entre si apenas por um estado de condensação da energia, muito antes de Albert Einstein.... De igual modo, as noções de percepção de consciência como sendo diferentes manifestações de maturação psíquica lembra e muito as atuais abordagens da Psicologia, principalmente a Psicologia Transpessoal. Há momentos em que a apresentação da doutrina em O Livro dos Espíritos não fica a dever em nada às melhores teorias da personalidade da Psicologia moderna. A descrição de Kardec do Fluido Universal lembra a do conceito de orgônio, ou orgon, dado pelo psicanalista Wilhelm Reich, pai da Bioenergética. Da mesma forma, os fundamentos e causas do processo da reencarnação é idêntico aos fundamentos e causas postulados por alguns psicoterapêutas (muitos dos quais não conhecem Allan Kardec) e que, por meios de desenvolvimento e pesquisas diversos, a paritr do atendimento clínico de pacientes, chegaram à técnica da Terapia de Vida Passada - TVP. E a filosofia de vida que a doutrrina estimula a adotar é, em muitos pontos, similar às condições propícias ao desenvolvimento da auto-atualização que é o lema dos psicólogos humanistas, tais como Abraham Maslow e Carl Ransom Rogers. A noção de animismo aponta para o conceito de inconsciente que teve em Sigmund Freud seu mais sério teórico, e a de evolução espiritual lembra o processo de individuação postulado pelo gênio de Carl Gustav Jung.
E ainda mais assobroso, Kardec logo reconheceria que seu estudo sobre a comunicação dos chamados espíritos (como elas mesmas se diziam ser, as forças inteligentes), que ele chamou de espiritismo, não trazia nada de realmente novo, a não ser o fato destes fenômenos serem vistos e entendidos sob a ótica moderna, científica: (...) Constituindo uma lei da natureza, os fenômenos estudados pelo Espiritismo hão de ter existido desde a origem dos tempos e sempre nos esforçamos por demonstrar que dele se descobrem sinais na antigüidade mais remota. Pitágoras, como se sabe, não foi o autor da mentempsicose (ou seja, da transmigração da alma pela reencarnação); ele o colheu dos filósofos indianos e dos egípcios, que o tinham desde tempos imemoriais (...) o que não padece dúvidas é que uma idéia não atravessa séculos e séculos, e nem consegue impor-se à inteligências de escol, se não contiver algo de sério (...)" (Kardec, p. 143 de O Livro dos Espíritos, ed. FEB).
É por isso também que a introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo, de 1864 (obra de cunho filosófico com o objetivo de escalarecer a posição da doutrina frente à mensagem do Cristo) traz um estudo histórico que culmina em um resumo do posicionamento de Sócrates e Platão como precursores dos mais elevados ideiais cristãos e, em suas filosofias, de vários tópicos do espiritismo, como bem fica evidenciado no diálogo Fédon, de Platão. Já em O Livro dos Espíritos, Kardec tece comentários sobre a ancestralidade das idéias básicas do espiritismo (c.f. capítulo V da obra citada) e como os fenômenos ditos espíritas são universais.
Os fenômenos que caracterizam o espiritismo, especialmente o da comunicação entre vivos e "mortos", são mencionados e reconhecidos como existentes em todas as épocas da humanidade, qualquer que seja a cultura considerada. Um dos mais antigos e claros registros a este respeito, dentro de nossa tradição judáico-cristã, é a referência bíblica que está em 1 Samuel 28,7-19, onde Saul visita a pitonisa (médium) de En-Dor, que lhe possibilitou a comunicação com o espírito do profeta Samuel. Os fenômenos referentes ao Novo Testamento, mais apropriadamente aos Evangelhos, podem ser consultados na Home Page sobre Jesus.
A idéia da reencarnação, por exemplo, é tão antiga e universal quanto a própria humanidade (ver o capítulo V de O Livro dos Espíritos), e é a base de diversas tradições filosóficas e religiosas do oriente, como o Budismo e o Hinduismo, por exemplo, e a das religiões pré-cristãs da Europa, como a dos Druidas, ou, posteriormente, baseados no cristianismo, o posicionamento de alguns pais da Igreja antes do concílio de Constantinopla, em 533, quando a doutrina da reencarnação foi abolida por motivos políticos, mas que é encontrada em figuras excepcionais da igreja, como em Orígenes de Alexandria, só para citar um exemplo. Ainda houve a presença de alguns movimentos fortemente contestatórios da ação da Igreja de Roma, como a dos Cátaros, embora os conhecimentos antropológicos, históricos e sociológicos de seu tempo não permitissem a Kardec ir muito além na análise destas tradições, filosofias e ocorrências históricas. Além do mais, diferentemente de outras escolas espirtualitas, Kardec fez absoluta questão de expor seus estudos de forma racional, sem cair nas armadilhas do discurso místico ordinário, mais levado pela emoção e pela fantasia que pela razão, a partir de fatos, fenômenos e percepções reais, com o máximo zelo à análise e ao cuidado da descrição dos fenômenos a partir de sólidos referenciais lógicos. Seu trabalho seria, então, de trazer ao nível intelectual moderno alguns fenômenos que sempre acompanharam o homem em sua história e que foram negligencados pela ciência mecanicista moderna, principalmente a partir do legado mecanicista de Descartes e de Newton, apesar de ambos terem sido pessoas espiritualizadas, principalmente o segundo, que foi o primeiro grande cientista da era moderna e o último grande mago dos tempos alquímicos.
Em 1º de Janeiro de 1858, Allan Kardec publica o primeiro número da Revista Espírita, que serviu como poderosa auxiliar para os trabalhos ulteriores e para a divulgação da Doutrina Espírita na Europa e América.
Segundo Henri Sausse, "em menos de um ano (...)", a Revista Espírita "(...) estava espalhada por todos os continentes do Globo. (...) De tal maneira aumentou o número de assinantes, que Kardec, a pedido destes, reimprimiu duas vezes as coleções de 1858, 1859 e 1860 (...)".
Dentre os mais célebres admiradores, amigos e estudiosos de Kardec ou do espiritismo, destacamos o famoso astrônomo francês Camille Flammarion, o filósofo H. Bergson, o psicólogo e filósofo William James, o físico William Crookes, o biólogo Alfred Russel Wallace, o físico Oliver Lodge, o escritor Arthur Conan Doyle, dentre inúmeros outros.
Podemos expor a importância do trabalho de Kardec por estas palavras do pai da moderna Parapsicologia, o fisiólogo Charles Richet: "Allan Kardec foi o homem que no período de 1857 a 1871 exerceu a mais penetrante influência, e que traçou o sulco mais profundo na ciência metapsíquica" (Charles Richet in "Traité de Métapsychique", p. 34). Da mesma forma, vários outros estudiosos confirmam a importância de Allan Kardec no desenvolvimento dos estudos psíquicos no mundo inteiro. Camille Flammarion, um dos maiores astrônomos da história, sempre lhe foi grato pelos estudos que eram correntes na Sociedade de Estudos Espíritas de Paris, e foi ele quem fez o discurso fúnebre de Kardec, e a lista poderia se alongar com o nome de vários outros célebres pesquisadores, como Ernesto Bozzano, César Lombroso, dentre vários outros.
Em 1º de abril de 1858, Allan Kardec funda a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, que tinha por objetivo "(...) o estudo de todos os fenômenos relativos às manifestações espíritas e suas aplicações às ciências morais, físicas, históricas e psicológicas. (...)" - Não era intenção de Kardec fundar uma religião, como ocorreu posteriormente a partir do seu legado. Para ele "A ciência espírita compreende duas partes: uma experimental, relativa às manifestações em geral; a outra, filosófica, relativa às manifestações inteligentes e suas conseqüências" (Kardec, in O Livro dos Espíritos, tópico XVII da Introdução). Discutiremos sobre isso mais adiante, tomando o próprio Kardec e outros autores como referência.
Em outubro 1861 ocorreu um patético acontecimento, para não dizer repulsivo. Trata-se do famoso "Auto-de-Fé", promovido pela Igreja Católica na cidade de Barcelona, Espanha, onde foram queimadas em praça pública cerca de trezentas publicações espíritas. Estas obras, encomendadas a Allan Kardec pelo bibliotecário e livreiro Maurício Lachâtre, foram enviadas de forma comum, nas condições alfandegárias normais, tendo as taxas de importação sido pagas pelo destintário às autoridades espanholas; porém a entrega das encomendas não foi realizada. Elas foram confiscadas pelo Bispo de Barcelona, com a seguinte justificativa: "A Igreja Católica é universal, e estes livros são contrários à fé católica, não podendo o governo (veja só, voltamos a ter a mistura do poder temporal com o religioso, sendo este último mais forte) permitir que eles passem a perverter a moral e religião de outros países".
Talvez com saudades dos áureos tempos de absoluto domínio das consciências humanas, à base de ferro e fogo, o douto Bispo de Barcelona, em doentia demonstração de esnobismo típicas de quem se acha no direito pertencer à seleta instituição dos únicos representantes da vontade de Deus na Terra, fez reacender as fogueiras que tantas vítimas inocentes fizera em séculos anteriores, onde, pelas mãos de um carrasco, as obras foram queimadas certamente no lugar das pessoas que deveriam lá estar: os espíritas franceses em geral, e um homem em particular: Allan Kardec. Em tudo a pantomima seguiu as regras de uma execução inquisitorial, como podemos ler pelos autos do processo:
"Assitiram ao auto-de-fé:
"Um padre, com seus hábitos sacerdotais, tendo, em uma das mãos, a cruz e, na outra, uma tocha;
"Um tabelião encarregado de redigir o processo verbal do auto-de-fé;
"O assitente do tabelião;
"Um funcionário superior da administração das alfândegas;
"Três serventes da alfândega, com a função de alimentar o fogo;
"Um agente da alfândega, representando o proprietário das obras condenadas;
"Uma incalculável multidão se fez presente, enchendo os passeios, cobrindo a esplanada onde ardia a fogueira;
"Depois de o fogo ter consumido os trezentos volumes e brochuras espíritas, o sacerdote e seus auxiliares retiraram-se cobertos pelas vaias e maldições dos inúmeros assitentes, que bradavam: Abaixo a Inquisição!
"Depois, muitas pessoas, em protesto, aproximaram-se e apanharam as cinzas".
E, graças a esta demonstração de brutalidade da religião de Roma, o espiritismo acabou tendo uma grande repercussão em toda a Espanha, granjeando inúmeros adeptos. De certa forma, este ato alçou o Espiritismo ao mesmo patamar de outros mártires da liberdade de espírito, incluindo Jacques DeMolay, Galileu, Giordano Bruno e aquela que, com toda a infalibilidade papal, foi condenada como bruxa à fogueira para, quatro séculos depois, ser elevada à categoria de santa, Joana D'Arc (demorou bastante para a infalibilidade papal reconhecer o erro).
Eis uma observação de Kardec, na Revue Spirite de 1864, p. 199, com respeito à divulgação do Espiritismo como umra religião pelos doutores da Lei da era moderna: "Quem primeiro proclamou que o Espiritismo era uma religião nova, com seu culto e seus sacerdotes, senão o clero? Onde se viu, até o presente, o culto e os sacerdotes do Espiritismo? Se algum dia ele se tornar uma religião, o clero é quem o terá provocado".
Kardec passou o resto da de sua vida no mister de divulgar os resultados de seus estudos e os de outros colegas. Empreendeu inúmeras viagens pela França e pela Bélgica entre 1859 a 1868, e escreveu várias brochuras e pequenos artigos para a divulgação do Espiritismo.
Kardec escreveu ainda muitos outros livros, entre eles se destacam O Livro dos Médiuns, de 1861; em 1864, O Evangelho Segundo o Espiritismo; em 1865, o maravilhoso O Céu e o Inferno, ou a Justiça Divina Segundo o Espiritismo; em 1868, A Gênese. Sempre lúcido e lógico, soube como enfrentar a oposição e difamação de inimigos gratuitos com dignidade e nobreza, reconhecendo quando algum argumento oposto tinha um valor sério e sincero. Manteve-se à frente da Societé Parisiene D'Études Spirites, além de de escrever outros livros e artigos para a Revista Espírita, até seu desencarne, ocorrido em 31 de março de 1869, aos 65 anos de idade, causado por um colápso cardíaco.
Princípios básicos da Doutrina Espírita
- Deus -
1. Existe uma Inteligência Suprema, Absoluta, não cogniscível, Causa Primária de todas as coisas, que se chama Deus, Jeová, Iavé, Alá, Brahman, O Uno, Grande-Espírito, etc. Não há efeito sem causa. A causa de um universo ordenado é, pois, uma causa acima do universo. Deus, portanto.
2. Deus está acima de qualquer definição. Como nos fala Plotino, Deus está, por ser Absoluto, acima de qualquer definição, pois Ele/Ela é infinito em seus atributos e perfeições. Além, portanto, das limitações do pensamento intelectual humano. Qualquer que seja a palavra usada para se ter uma idéia de Deus, ela sempre estará expressando algo de limitado, humano. Mas, ainda assim, podemos dizer, numa etapa didática de analogia possível ao homem, que Deus é eterno, imutável, imaterial, único, soberanamente justo e bom e Infinito em todas as suas perfeições. Mesmo estas definições são coisas sem muito sentido para se definir Deus. Expressam pálidas idéias humanas, e seu sentido pode variar de uma para outra pessoa. E é por isso que assim falam os espíritos: "Creia, não queiras ir além do fato intuitivo da existência de Deus. Não vos percais num labirinto que vos confundirá e do qual não podereis sair. Isso não vos tornará melhores, mas um pouco mais orgulhosos, porque vocês acreditaram saber sobre algo que, na verdade, vos escapa e do qual nada, em realidade, sabes. Deixai, pois, de lado todos estes sistemas que apenas vos dividem; tendes bastante coisas que vos tocam mais de perto, a começar por vós mesmos. Estudai as vossas próprias imperfeições, a fim de vos libertar delas, o que vos será mais útil e mais benéfico do que pretenderes penetrar com vossas limitações no que é impenetrável" (Resposta dada pelos espíritos à pergunta nº 14 de O Livro dos Espíritos)
- O Espírito -
3. Há no homem, ou melhor, É o homem, em sua essência, um princípio inteligente, a que normalmente chamamos "Alma" ou "Espírito", independente da matéria, em íntimo contato com o corpo, que é-lhe instrumento de aperfeiçoamento, e que possui todas as faculdades morais e psíquicas inerentes ao ser humano.
4. As doutrinas materialistas são, em grande parte, responsáveis pelo estado de náusea e desesperança que aflige, em grande parte, a humanidade. Veja-se o tópico sobre Holismo para um maior aprofundamento sobre esta afirmação.
5. O Espiritismo, enquanto Ciência (aspecto tão enfatizado por Allan Kardec, mas, atualmente, um tanto negligenciado pelos espíritas brasileiros, que transformaram a doutrina em quase que unicamente uma religião), o Espiritismo prova a existência da alma por meio dos atos inteligentes do homem e pelos atos inteligentes das manifestações mediúnicas.
6. A alma humana, ou espírito, sobrevive ao corpo, embora traga em si traços deste corpo, e conserva a sua individualidade após a morte deste.
7. A alma do homem é ditosa ou infeliz depois da morte em conseqüência direta de seus atos durante a vida, que se inscrevem em sua consicência moral.
8. A existência de um Ser Supremo, Deus, a alma e a sobrevivência e individualidade da alma após a morte do corpo, bem como o estado de felicidade ou infelicidade futuras, constituem princípios básicos fundamentais de, praticamente, todas as religiões. Por isso todas as religiões são válidas. Elas representam modalidades do entidimento do transcendente de acordo com os diversos estados de consciência do ser humano.
9. Todas as criaturas vão, sucessivamente, evoluindo no plano moral e intelectual, pelas diversas etapas por que passam nas várias reencarnações, num contínuum que vai surgindo em progressão dos reinos inorgânicos até os mais incorpóreos e espirituais.
10. A Terra não é o único planeta habitado, e nem o mais aperfeiçoado. Existem uma infinidades de mundos habitados, que oferecem vários âmbitos de evolução e aprendizado para os espíritos.
11. Há uma lei de causalidade moral, conhecida como Lei do Carma, que interliga as várias vidas sucessivas do espírito, de modo a lhe dar o meio condizente com os atos praticados anteriormente, mas onde pode atuar agora, por meio de seu livre-arbítrio.
Comentários
O aspecto moral da doutrina, resutante da filosofia espírita, foi posteriormente confundido e amalgamado com um aspecto religioso. Por possibilitar, através de sua filosofia, uma religação efetiva com a dimensão espiritual do homem, o espiritismo permite usufrir ao seu estudioso um sentimento de religiosidade, no sentido latino do termo (religare, ou seja de se religar com algo superior, transcendente) que vai muito além do sentido atual da palavra religião. A Religiosidade, que é sentimento superior ao estreito rótulo da religião, é que preenche de fato a doutrina espírita.
É o próprio Kardec quem também nos fala que o espiritismo, por ser uma ciência e uma filosofia, "é, pois, a mais potente auxiliar da religião" (Kardec, O Livro dos Espíritos, página 111 da edição da FEB), sendo, pois, algo que, se não é uma religião em si, a não ser que se queira isso, respeita todas as religiões, pois elas são a expressão da ânsia humana pelo sublime e pelo transcendente, e são válidas, assim como cada teoria de personalidade, na Psicologia, é válida de acordo com o posicionamento e maturação psicológica e emocional de cada indivíduo. Infelizmente, fizeram do espiritismo o que bem quiseram, do mesmo modo como fizeram o que bem quiseram dos ensinos do Cristo, de Sócrates, e outros....
Um estudo realmente aprofundado e sistematizado do obra de Kardec escalareceria a todos sobre estes pontos, que acredito ser de fundamental importância para a maturação da tolerância entre as diferenças religiosas e uma vacina contra qualquer tipo de dogmatismo que, vez por outra, parece brotar no posicionamento religioso de alguns espíritas e dirigentes espíritas brasileiros que, por força da tradição católica em nossa cultura, têm transformado alguns centros - que deveriam ser casas sérias de estudos psíquico-espirituais- em verdadeiras igrejas - e sem a competência destas, pois algumas pessoas passam a dar palestras sem mínimo de aprofundamento na doutrina ou nas ciências psíquicas, como em psicologia e psiquiatria, além das leituras básicas da codificação kardequiana, tirando conclusões apressadas e/ou equivocadas de alguns fenômenos psicológicos que incidem sobre parte de nossa população, taxando-os de obsessão e outras coisas mais. Ora, nem todos os problemas são causados por pertubações espirituais - isso é acusar os espíritos injustamente -, ou, se existe alguma parcela disto, foi por algum desajuste primeiro do sujeito encarnado, desajuste de cunho íntimo e pessoal que precisa de tratamento mais dirigido ao aspecto psicológico, mundando seus o padrão de pensamentos e os hábios mentais imediatos que é a causa de atração do espírito desencarnado, por sintonia psíquica. Sendo assim Kardec apontou para o fato de que muitos de nossos desajustes se devem à causas pisicossomáticas e espirituais interligadas, pondo-se, portanto, bem à frente do desenvolvimento da psicologia de seu tempo, apontando para as teorias correntes agora, nos meios acadêmicos sobre o papel da medicina psicossomática na dinâmica das doenças e distúrbios mentais.
Kardec tinha plena consciência do fato de que os conhecimentos adquiridos em seus estudos eram apenas o primeiro passo de uma longa jornada, e, como nos fala o grande escritor Léon Denis em sua obra "Depois da Morte", no capítulo XX, "A doutrina de Allan Kardec, nascida - não será demasiado repetí-lo - da observação metódica, da experiência rigorosa, não se torna um sistema definido, imutável, fora e acima das conquistas futuras da ciência. Resultado combinado de conhecimentos dos dois mundos, de duas humanidades de planos paralelos penetrando-se uma na outra, ambas, porém, imperfeitas e a caminho do entendimento de verdades mais profundas, do desconhecido, a Doutrina dos Espíritos transforma-se sem cessar, pelo trabalho e pelo progresso, e (...) acha-se aberta às retificações, aos esclarecimentos do futuro". E é isto que tem de ficar bem claro para o movimento espírita brasileiro, com alguns setores cristalizados e dogmatizados. A verdade é muito ampla para estar contida apenas nas obras do primeiro período da codificação, e as ciências evoluem para uma compreensão mais holística do homem e do universo que deve estar presente também nas nossas casas de estudo espíritas. E se há ainda pessoas que se realizam apenas no aspecto religioso do movimento, muitas outras há, especialmente entre os jovens, que anseiam por ver novos horizontes onde possam se lançar à altos vôos com as duas asas, como nos fala Emmanuel, da razão e a do coração.
Neste sentido é bom relembrar mais algumas palavras do próprio Kardec:
"O Espiritismo é uma doutrina filosófica de efeitos religiosos como qualquer filosofia espiritualista, pelo que forçosamente vai encontrar-se com AS BASES FUNDAMENTAIS DE TODAS AS RELIGIÕES: DEUS, A ALMA E A VIDA FUTURA. MAS NÃO É UMA RELIGIÃO CONSTITUÍDA, visto que não tem culto, nem rito, nem templos e que, entre seus adeptos reais, nenhum tomou o título de sarcedote ou de sumo sarcedote" (...) "O Espiritismo proclama a liberdade de consciência como direito natural; proclama-a para seus adeptos assim como para todas as pessoas. Respeita todas as convicções sinceras e faz questão de reciprocidade". (Kardec, in "Obras Póstumas" - Ligeira Resposta aos Detratores do Espiritismo, páginas 260 e 261 da 21º edição da FEB, com destaques meus).
Ora, é muito lamentável que algumas instituições que se dizem espíritas tenham em seus meios pessoas com a pseudo-sabedoria de se arvorarem donas de todo o conhecimento e evitem o contato com outros sistemas de pensamento ou com as novas descobertas científicas. Esquecem-se, em nome do dogmatismo e da vaidade, os dois mandamentos essenciais do espiritismo: "Espíritas, amai-vos, eis o primeiro mandamento; instruí-vos, eis o segundo", e põem um limite quase instransponível entre a mesa, com seus dirigentes, e a assembléia, num arremedo de hierarquia, arremate de um nível de poder político comum às religiões institucionalizadas. Ainda há tempo de retomar a seara da forma como foi planejada por Kardec, basta humildade e solidariedade, nada mais, junto com um sincero desejo de estudar e de instruir-se. Felizmente nas fileiras espíritas brasileiras existem lumiares de alto valor dentro do aspecto científico e filosófico, como Hernani Guimarães Andrade, Henrique Rodrigues, Hermínio C. Miranda, Clovis Nunes, Jorge Andrea, Raul Teixeira, Divaldo P. Franco e, por meio de sua mediunidade maravilhosa, Francisco Cândido Xavier. De forma mais ou menos indireta, também temos a obra fantástica de Pietro Ubaldi que, com a sua A Grande Síntese demonstrou algumas das temáticas só agora mais ou menos popularizadas ou divulgadas como consequencia da evolução da Física Quântica ou da concepção Holística da filosofia da ciência que foram divulgadas em grande parte nas obras de Fritjof Capra. Mas isto é um outro assunto.
Acho que o precioso trabalho de Allan Kardec ainda há de ser reconhecido pelas gerações vindouras. O sucesso que sua obra logrou a ter na segunda metade do século XIX, foi, de certa forma, ofuscada pelas crises e guerras sucessivas por que passou a Europa, que acabou por entrar numa fase de descrença existencial, com a perda de seus idéias mais espirituais, bem exemplificada pelo niilismo e mecanicismo do século XX, bem como pelo surgimento de outras correntes espirituais mais esotéricas, de sabor fortemente ocultista e, por isso mesmo, mais atrantes para algumas pessoas às quais o mecanicismo de nossa época desagrada, como a Teosofia de H. P. Blavatisk, e outras. Mas só o tempo, como agora parece ocorrer, dirá o que de fato é a obra de um dos homens mais universais do século XIX.
Bibliografia Sugerida
Atenção: Alguns dos livros espíritas aqui indicados podem ser retirados (por download) pela internet
em http://www.bauhaus.com.br/secd/
ou em http://www.febrasil.org.br/lesp_br.htm
Enciclopédia Mirador-Britannica, 1992.
Kardec, Allan A Codificação da Doutrina Espírita - Coletânea das Obras básicas de Kardec, Instituto de Difusão Espírita, São Paulo, 1997.
Kardec, Allan O Livro dos Espíritos, Federação Espírita Brasileira, São Paulo, 1990.
Kardec, Allan O Que é o Espiritismo, Federação Espírita Brasileira, São Paulo, 1990.
Kardec, Allan O Livro dos Médiuns, Lake, São Paulo, 1988.
Kardec, Allan O Céu e o Inferno, Lake, São Paulo, 1988.
Kardec, Allan Obras Póstumas, Federação Espírita Brasileira, São Paulo, 1990.
Wantuil, Zeus & Thiesen, Francisco Allan Kardec, vol. I, II e III, Fed. Espírita Brasileira, 1984.
Sausse, Henri Biografia de Allan Kardec em Allan Kardec, Ed. Opus, São Paulo,1982.
João Pessoa, Paraíba, 02/01/1997
Revisto e ampliado em 10 de março de 1998
Enviado por Marluce Faustino/RJ
Hippolyte Léon Denizard Rivail (Lyon, 3 de outubro de 1804 — Paris, 31 de março de 1869) teve formação acadêmica em Matemática e Pedagogia, interessando-se mais tarde pela Física, principalmente o Magnetismo. Como escritor, dedicou-se a tradução e a elaboração de obras de cunho educacional. Sob o pseudônimo de Allan Kardec, notabilizou-se como o codificador do Espiritismo, a Doutrina Espírita. Professor, pedagogo e difusor d´O Consolador, a doutrina espírita sugiu graças ao empenho desse irmão que nos orientou ao bem. Abaixo a biografia de Allan Kardec por Carlos A. Fragoso Guimarães.
Allan Kardec
por
Carlos Antonio Fragoso Guimarães
Allan Kardec, 1804-1869
Quem foi e o que fez Allan Kardec
Durante todo o século XVIII, a França se ergueu como o farol intelectual da civilização ocidental. Para lá iam artistas, professores, filósosfos e cientístas. Apesar do esbanjamento e da corrupção da côrte, Paris foi, desde muito tempo, a capital europeia mais atrativa para os intelectuais do continente. Juntamente com a Alemanha, sua maior rival, a França era quem dirigia os rumos do intelecto humano, e foi com o Iluminismo que Paris passou ser conhecida como "a Cidade Luz", pois, depois de tanto tempo à mercê dos ditames do clero e da aristocracia, o homem era incentivado a ser independente, a pensar com a própria cabeça. "Todos os homens são iguais", era o slogan do Iluminismo, que nasceu e teve seus maiores conseqüências em solo francês.
Embora tenha sido, na verdade, um retumbante movimento burguês, com seus lamentáveis e invitáveis excessos, a Revolução Francesa teve o mérito de desmitificar a pseudo-superioridade das classes privilegiadas (a corrupta aristocracia e o hipócrita clero católico), levantando a bandeira contagiante da "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", e da "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão". Evidentemente, a efervescência do período desembocou num paradoxo: surge o império napoleônico. Mas os frutos intelectuais da Revolução permitiram limpar a Europa do velho ranço aristocrático, forçando a melhoria dos direitos sociais em todas as nações do ocidente, fortificando, mais do que nunca, o papel do Direito.
Foi em meio a esse clima de mudanças e de reconstrução de um novo mundo, onde vingava, por toda parte, o perfume primaveril do romantismo, que nasce, a 03 de outubro de 1804, em plena era napoleônica, na cidade de Lyon, Hippolite Léon Denizard Rivail, que mais tarde adotaria o pseudônimo Allan Kardec. Ele era filho de um juiz, Jean Baptiste-Antoine Rivail, e sua mãe chamava-se Jeanne Duhamel.
Conta-se que o pai o iniciou com todo cuidado nas primeiras letras e o incentivou à leitura dos clássicos, já em tenra idade. Denizard Rivail sempre se mostrou muito interessado em ciências e em línguas. Após completar os primeiros estudos em Lyon, Denizard partiu para a Suiça, para completar seus estudos secundários na escola do célebre professor Pestalozzi, na cidade de Yverdun. Bem cedo o jovem de Lyon chama a atenção do mestre, que o coloca como seu auxilar nos trabalhos acadêmicos que exercia, tendo algumas vezes substituido Pestalozzi na direção da escola, enquanto este empreendia alguma viagem de divulgação de sua metodologia de ensino ou era convidado para criar, em outras localidades, uma insituição nos moldes de Yverdun. Denizard também exercia com prazer o papel de professor, ensinando aos seus colegas as lições que aprendera. Ele, apesar de tão responsável, era visto como um jovem amável e espirituoso, mas muito disciplinado. Não há registros de que tenha sido mal-quisto em qualquer fase de seu período estudantil.
Denizard Rivail bacharelara-se em Letras e Ciências. Falava fluentemente vários idiomas. Após ser dispensado do serviço militar, resolve fundar, em Paris, uma escola nos moldes da de Yverdun, que foi chamada de Liceu Polimático. Ele estava empenhado no aperfeiçoamento pedagógico da educação francesa, e, por isso, escreveu vários livros no assunto, tendo sido premiado, em 1831, por seu trabalho, pela Academia Real de Arras. Por esta mesma época casa-se com a professora Amélie Gabrielle Boudet.
Quando tudo parecia ir bem, o sócio de Rivail, que era seus tio, leva o Liceu à ruína, por dissipar, no jogo, vastas somas. Nada restava a Rivail que pedir a liquidação do Instituto a que se dedicara com tanto amor. Com o dinheiro resultante da partilha, Rivail sofre um outro revés da sorte. Após ter aplicado o dinheiro na casa comercial de um de seus amigos, este logo abre falência, por realizar maus negócios, e Denizard se vê na constrangedora situação de nada mais ter.
Para poder sobreviver, Rivail se lança freneticamente a escrever livros didáticos e a trabalhar como contador de três firmas comerciais, o que lhe possibilitou, após o susto e o desespero iniciais, recuperar parte de seu antigo padrão de vida. Chegou a organizar, também, cursos de Física, Química, Astronomia e Anatomia Comparada que eram muito populares entre os jovens da época.
Depois de algum tempo, Denizard Rivail já tinha o necessário para viver com certo conforto e se dedicar ao ensino novamente.
Quase que paralelamente a estes acontecimentos na vida de Denizard Rivail, ocorre nos E.U.A um conjunto de fenômenos que deram início ao nascimento do moderno espiritismo (este termo, espiritismo, foi cunhado em 1857, por Rivail, para distinguir este movimento do de outras escolas espiritualistas). Trata-se dos fenômenos ocorridos em Hydesville, estado de New York, em 1848, na casa da família Fox, que era metodista, e, portanto, longe de ter qualquer queda ou interesse por fatos que poderíamos hoje chamar de paranormais. As fortes pancadas pancadas que começaram a ser violentamente ouvidas no quarto das irmãs Katherine e Margaretta e que se fizeram frequentes por várias semanas levaram a primeira, então com nove anos, a desafiar "o batedor" a reproduzir as pancadas que ela mesma daria. A prontidão das respostas acabaria por marcar o início desse tipo de comunicação entre vivos e mortos (Enciclopédia Mirador-Britannica, p. 4171).
Por esta época, em Paris, estava em voga uma nova moda (como se dizia na época). Tratava-se das chamadas "mesas falantes" ou "mesas girantes", que consistia em se fazer perguntas ao redor de uma mesa ou outro móvel qualquer que respondia através de pancadas às perguntas formuladas. Isto era visto apenas como uma sutil e inexplicável diversão de salão, quando não era encarada como uma brincadeira ou embuste espirituoso. Mas havia quem levasse a sério tais coisas, pois muitas vezes as mesinhas davam respostas corretas sem que ninguém conseguisse provar o descobrir quem ou o que fazia as mesas responderem as questões. Convém notar que esta "moda" das mesinhas que giravam parecia ocorrer em todos os lugares e em vários países, num boom que dificilmente pode ser creditado ao acaso. Em 1854, Deinzard ouve falar pela primeira vez sobre tais "fenômenos", mas sua primeira atitude é a de ceticismo: "eu crerei quando vir, e quando conseguirem provar-me que uma mesa dispõe de cérebro e nervos, e que pode se tornar sonâmbula; até que isso se dê, dêem-me a permissão de não enxeragar nisso mais que um conto para provocar o sono".
Por insistência dos amigos, Rivail presencia algumas das manifestações físicas das mesinhas. Depois da estranheza e da descrença inicial, Rivail começa a cogitar seriamente na validade de tais fenômenos. Eis o que ele nos relata: "De repente encontrava-me no meio de um fato esdrúxulo, contrário, à primeira vista, às leis da natureza, ocorrendo em presença de pessoas honradas e dignas de fé. Mas a idéia de uma mesa falante ainda não cabia em minha mente". E ainda: "Pela primeira vez pude testemunhar o fenômeno das mesas que giravam e pulavam em tais condições que dificilmente poderia se acreditar serem frutos de embuste ou frade (...) Minhas idéias longe estavam de terem sofrido uma modificação, mas em tudo aquilo que se sucedia devia haver uma explicação" (segundo Henri Sausse, in Allan Kardec, ed. Opus, 1982). Foi em 1855 que Rivail testemunha pela primeira vez o fenômeno das mesas girantes. Passa então a observar estes fatos; pesquisa-os cuidadosamente e, graças ao seu espírito de investigação, que sempre lhe fora peculiar, resiste a elaborar qualquer teoria preconcebida. Ele quer, a todo custo, descobrir as causas. Como disse Henri Sausse: "(...) Sua razão repele as revelações, somente aceita observações objetivas e controláveis. (...) Vários amigos que acompanhavam há cinco anos o estudo dos fenômenos, (...) colocam à sua disposição mais de cinquenta cadernos, contendo as comunicações feitas pelos Espíritos (...). O estudo desses cadernos constituiu, para Rivail, o trabalho mais profundo e mais decisivo. Foi por esse estudo que ele se (...) convenceu da existência do mundo invisível e dos Espíritos."
Ele utilizava o material dos cadernos, com as respostas dadas pelos supostos espíritos, para refazer as mesmas perguntas para outros médiuns, de preferência desconhecido dos primeiros. Com base nas novas respostas, Rivail comparava o conteúdo de ambas, e ficava perplexo com as similaridades freqüêntes entre as elas. Ele reformulava as perguntas, e pedia a ajuda de amigos para faze-las a outros médiuns, em outras localidades. Ele recebia as respostas e compilava-as organizadamente por tópicos e assuntos.
Como poderia pessoas que nunca se viram dar as mesmas respostas para as mesmas perguntas, às quais possuiam, frequentemente, um grande peso filosófico e uma amplidão de conhecimentos que escapavam à formação ou aos conhecimentos normais dos médiuns? A única resposta lógica seria a de que agentes inteligentes as dariam por intermédio de certas pessoas com uma sensibilidade psíquica especial: os médiuns. Além do mais, Rivail notou que poderia existir uma extraordinária discrepância entre o desenvolvimento moral e intelectual de um médiun e as comunicações obtidas em estado de transe, que na época se chamava estado sonambúlico, ou, algumas vezes, de mesmerização, nome devido ao pioneiro da hipnose, Mesmer. Sendo assim, a faculdade de comunicar-se com os agentes inteligentes invisíveis independente do grau de desenvolvimento espiritual do médiun, havendo médiuns moralmente medíocres, e até mesmo, perversos, e outros médiuns de grande desenvolvimento moral, que podem, uns e outros, receberem mensagens de cunho elevado ou banal.
Por estarem numa dimensão diferente da nossa, estes agentes inteligentes invisíveis teriam de vivenciar uma realidade própria ao estado vibratório de sua dimensão que explicaria algumas características das repostas dadas. Isso abriria um imenso leque de cogitações e de explicações extraordinárias. Mas Rivail não se deixou levar pelo entusiasmo.
Ele percebeu claramente, desde o início, que muitas das respostas obtidas por meio dos médiuns eram tolas e pueris, e outras tinham muito a ver com os conhecimentos ou as crenças do próprio médium, embora, durante o transe, ele comumente não tivesse consciência do que dizia ou escrevia. Assim, Rivail chegou às seguintes conclusões:
Primeiro, se são agentes inteligentes não físicos que dão as respostas, nem por isso eles parecem ser muito diferentes dos homens vivos, pois suas respostas são parecidas às repostas que qualquer homem daria, inclusive dentro do nível de instrução a que tenham chegado, pois há respostas muito bem elaborados junto com muitas outras muito fúteis. E, segundo, algumas vezes as respostas são dadas de forma não-consciente, pelo próprio médium. Então, seria o agente inteligente do próprio médium que daria certas respostas, em certas ocasiões. Estas repostas não são destituídas de valor. Elas podem apresentar um extraordinário grau de maturidade, mesmo que sejam estranhas ao pensamento normal do médium quando em estado de vigília ou de consciência desperta noraml.
Assim, Denizard Rivail reconhecia clara e lucidamente que as entidades, por serem seres extra-corpóreos, nem por isso eram necessariamente mais sábias que os homens encarnados. Elas mesmas diziam que nada mais eram do que os Espíritos dos homens que já morreram, e por isso mesmo, continuavam tão humanas e cheia de falhas quanto antes. E mais ainda, Rivail antecipou-se extraordinariamente em mais de quarenta e três anos a Sigmund Freud (1856-1939) ao reconhecer uma ação incionsciente pessoal agindo sobre a manifestação mediúnica, algumas vezes. Assim, poderemos nos perguntar, Rivail não teria sido um precursor da cética Psicanálise?
Com o estudo meticuloso das respostas dadas pelos espíritos, por meio de diversos médiuns e em diversas localidades de diversos países, Rivail teve suficiente material para compor um livro. Ele faz uma lúcida introdução sobre seu trabalho no prefácio da obra que fez nascer o moderno Espiritismo: O Livro dos Espíritos, lançado em Paris, em 18 de abril de 1857 (faça um download deste e de outros livros de Kardec na Home Page da FEB). Na capa da obra, está o nome do autor, ou melhor, o seu pseudônimo, Allan Kardec. Rivail preferiu por este nome em sua mais importante obra, para diferenciar sua temática das de suas obras anteriores, voltadas à educação e à pedagogia. E por que Allan Kardec? Bem, certa ocasião, depois repetida inúmeras vezes, um espírito, que se denominava de Z, havia dito a Rivail que eles haviam sido amigos numa vida anterior! Eles haviam vivido entre os Druidas, nas Gálias, e o nome de Rivail era, na ocasião, Allan Kardec. É incrível, mas mais uma vez uma antiga concepção (certeza?) fluente no ocidente desde Pitágoras, Sócrates, Platão, Plotino e entre os povos originários da Bretanha Maior e Menor, como os dos Celtas, bem como como nos chamados movimentos heréticos como a dos Cátaros e a dos Templários, vinha à tona novamente na Europa: a idéia da Reencarnação.
De uma profundidade filosófica e psicológica desconcertantes, O Livro dos Espíritos possui passagens e reflexões que vão muito além do nível de conhecimento ordinário de sua época de publicação, inclusive no que tange aos aspectos científicos da obra. Citemos, só de passagem, a noção de evolução das espécies vivas dado pelos espíritos e comentado por Kardec, publicado nesta obra um ano antes do livro seminal de Charles Darwin, A Origem das Espécies, ou , ainda, da indentidade entre matéria e energia (chamado por Kardec de fluido universal), que se diferenciam entre si apenas por um estado de condensação da energia, muito antes de Albert Einstein.... De igual modo, as noções de percepção de consciência como sendo diferentes manifestações de maturação psíquica lembra e muito as atuais abordagens da Psicologia, principalmente a Psicologia Transpessoal. Há momentos em que a apresentação da doutrina em O Livro dos Espíritos não fica a dever em nada às melhores teorias da personalidade da Psicologia moderna. A descrição de Kardec do Fluido Universal lembra a do conceito de orgônio, ou orgon, dado pelo psicanalista Wilhelm Reich, pai da Bioenergética. Da mesma forma, os fundamentos e causas do processo da reencarnação é idêntico aos fundamentos e causas postulados por alguns psicoterapêutas (muitos dos quais não conhecem Allan Kardec) e que, por meios de desenvolvimento e pesquisas diversos, a paritr do atendimento clínico de pacientes, chegaram à técnica da Terapia de Vida Passada - TVP. E a filosofia de vida que a doutrrina estimula a adotar é, em muitos pontos, similar às condições propícias ao desenvolvimento da auto-atualização que é o lema dos psicólogos humanistas, tais como Abraham Maslow e Carl Ransom Rogers. A noção de animismo aponta para o conceito de inconsciente que teve em Sigmund Freud seu mais sério teórico, e a de evolução espiritual lembra o processo de individuação postulado pelo gênio de Carl Gustav Jung.
E ainda mais assobroso, Kardec logo reconheceria que seu estudo sobre a comunicação dos chamados espíritos (como elas mesmas se diziam ser, as forças inteligentes), que ele chamou de espiritismo, não trazia nada de realmente novo, a não ser o fato destes fenômenos serem vistos e entendidos sob a ótica moderna, científica: (...) Constituindo uma lei da natureza, os fenômenos estudados pelo Espiritismo hão de ter existido desde a origem dos tempos e sempre nos esforçamos por demonstrar que dele se descobrem sinais na antigüidade mais remota. Pitágoras, como se sabe, não foi o autor da mentempsicose (ou seja, da transmigração da alma pela reencarnação); ele o colheu dos filósofos indianos e dos egípcios, que o tinham desde tempos imemoriais (...) o que não padece dúvidas é que uma idéia não atravessa séculos e séculos, e nem consegue impor-se à inteligências de escol, se não contiver algo de sério (...)" (Kardec, p. 143 de O Livro dos Espíritos, ed. FEB).
É por isso também que a introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo, de 1864 (obra de cunho filosófico com o objetivo de escalarecer a posição da doutrina frente à mensagem do Cristo) traz um estudo histórico que culmina em um resumo do posicionamento de Sócrates e Platão como precursores dos mais elevados ideiais cristãos e, em suas filosofias, de vários tópicos do espiritismo, como bem fica evidenciado no diálogo Fédon, de Platão. Já em O Livro dos Espíritos, Kardec tece comentários sobre a ancestralidade das idéias básicas do espiritismo (c.f. capítulo V da obra citada) e como os fenômenos ditos espíritas são universais.
Os fenômenos que caracterizam o espiritismo, especialmente o da comunicação entre vivos e "mortos", são mencionados e reconhecidos como existentes em todas as épocas da humanidade, qualquer que seja a cultura considerada. Um dos mais antigos e claros registros a este respeito, dentro de nossa tradição judáico-cristã, é a referência bíblica que está em 1 Samuel 28,7-19, onde Saul visita a pitonisa (médium) de En-Dor, que lhe possibilitou a comunicação com o espírito do profeta Samuel. Os fenômenos referentes ao Novo Testamento, mais apropriadamente aos Evangelhos, podem ser consultados na Home Page sobre Jesus.
A idéia da reencarnação, por exemplo, é tão antiga e universal quanto a própria humanidade (ver o capítulo V de O Livro dos Espíritos), e é a base de diversas tradições filosóficas e religiosas do oriente, como o Budismo e o Hinduismo, por exemplo, e a das religiões pré-cristãs da Europa, como a dos Druidas, ou, posteriormente, baseados no cristianismo, o posicionamento de alguns pais da Igreja antes do concílio de Constantinopla, em 533, quando a doutrina da reencarnação foi abolida por motivos políticos, mas que é encontrada em figuras excepcionais da igreja, como em Orígenes de Alexandria, só para citar um exemplo. Ainda houve a presença de alguns movimentos fortemente contestatórios da ação da Igreja de Roma, como a dos Cátaros, embora os conhecimentos antropológicos, históricos e sociológicos de seu tempo não permitissem a Kardec ir muito além na análise destas tradições, filosofias e ocorrências históricas. Além do mais, diferentemente de outras escolas espirtualitas, Kardec fez absoluta questão de expor seus estudos de forma racional, sem cair nas armadilhas do discurso místico ordinário, mais levado pela emoção e pela fantasia que pela razão, a partir de fatos, fenômenos e percepções reais, com o máximo zelo à análise e ao cuidado da descrição dos fenômenos a partir de sólidos referenciais lógicos. Seu trabalho seria, então, de trazer ao nível intelectual moderno alguns fenômenos que sempre acompanharam o homem em sua história e que foram negligencados pela ciência mecanicista moderna, principalmente a partir do legado mecanicista de Descartes e de Newton, apesar de ambos terem sido pessoas espiritualizadas, principalmente o segundo, que foi o primeiro grande cientista da era moderna e o último grande mago dos tempos alquímicos.
Em 1º de Janeiro de 1858, Allan Kardec publica o primeiro número da Revista Espírita, que serviu como poderosa auxiliar para os trabalhos ulteriores e para a divulgação da Doutrina Espírita na Europa e América.
Segundo Henri Sausse, "em menos de um ano (...)", a Revista Espírita "(...) estava espalhada por todos os continentes do Globo. (...) De tal maneira aumentou o número de assinantes, que Kardec, a pedido destes, reimprimiu duas vezes as coleções de 1858, 1859 e 1860 (...)".
Dentre os mais célebres admiradores, amigos e estudiosos de Kardec ou do espiritismo, destacamos o famoso astrônomo francês Camille Flammarion, o filósofo H. Bergson, o psicólogo e filósofo William James, o físico William Crookes, o biólogo Alfred Russel Wallace, o físico Oliver Lodge, o escritor Arthur Conan Doyle, dentre inúmeros outros.
Podemos expor a importância do trabalho de Kardec por estas palavras do pai da moderna Parapsicologia, o fisiólogo Charles Richet: "Allan Kardec foi o homem que no período de 1857 a 1871 exerceu a mais penetrante influência, e que traçou o sulco mais profundo na ciência metapsíquica" (Charles Richet in "Traité de Métapsychique", p. 34). Da mesma forma, vários outros estudiosos confirmam a importância de Allan Kardec no desenvolvimento dos estudos psíquicos no mundo inteiro. Camille Flammarion, um dos maiores astrônomos da história, sempre lhe foi grato pelos estudos que eram correntes na Sociedade de Estudos Espíritas de Paris, e foi ele quem fez o discurso fúnebre de Kardec, e a lista poderia se alongar com o nome de vários outros célebres pesquisadores, como Ernesto Bozzano, César Lombroso, dentre vários outros.
Em 1º de abril de 1858, Allan Kardec funda a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, que tinha por objetivo "(...) o estudo de todos os fenômenos relativos às manifestações espíritas e suas aplicações às ciências morais, físicas, históricas e psicológicas. (...)" - Não era intenção de Kardec fundar uma religião, como ocorreu posteriormente a partir do seu legado. Para ele "A ciência espírita compreende duas partes: uma experimental, relativa às manifestações em geral; a outra, filosófica, relativa às manifestações inteligentes e suas conseqüências" (Kardec, in O Livro dos Espíritos, tópico XVII da Introdução). Discutiremos sobre isso mais adiante, tomando o próprio Kardec e outros autores como referência.
Em outubro 1861 ocorreu um patético acontecimento, para não dizer repulsivo. Trata-se do famoso "Auto-de-Fé", promovido pela Igreja Católica na cidade de Barcelona, Espanha, onde foram queimadas em praça pública cerca de trezentas publicações espíritas. Estas obras, encomendadas a Allan Kardec pelo bibliotecário e livreiro Maurício Lachâtre, foram enviadas de forma comum, nas condições alfandegárias normais, tendo as taxas de importação sido pagas pelo destintário às autoridades espanholas; porém a entrega das encomendas não foi realizada. Elas foram confiscadas pelo Bispo de Barcelona, com a seguinte justificativa: "A Igreja Católica é universal, e estes livros são contrários à fé católica, não podendo o governo (veja só, voltamos a ter a mistura do poder temporal com o religioso, sendo este último mais forte) permitir que eles passem a perverter a moral e religião de outros países".
Talvez com saudades dos áureos tempos de absoluto domínio das consciências humanas, à base de ferro e fogo, o douto Bispo de Barcelona, em doentia demonstração de esnobismo típicas de quem se acha no direito pertencer à seleta instituição dos únicos representantes da vontade de Deus na Terra, fez reacender as fogueiras que tantas vítimas inocentes fizera em séculos anteriores, onde, pelas mãos de um carrasco, as obras foram queimadas certamente no lugar das pessoas que deveriam lá estar: os espíritas franceses em geral, e um homem em particular: Allan Kardec. Em tudo a pantomima seguiu as regras de uma execução inquisitorial, como podemos ler pelos autos do processo:
"Assitiram ao auto-de-fé:
"Um padre, com seus hábitos sacerdotais, tendo, em uma das mãos, a cruz e, na outra, uma tocha;
"Um tabelião encarregado de redigir o processo verbal do auto-de-fé;
"O assitente do tabelião;
"Um funcionário superior da administração das alfândegas;
"Três serventes da alfândega, com a função de alimentar o fogo;
"Um agente da alfândega, representando o proprietário das obras condenadas;
"Uma incalculável multidão se fez presente, enchendo os passeios, cobrindo a esplanada onde ardia a fogueira;
"Depois de o fogo ter consumido os trezentos volumes e brochuras espíritas, o sacerdote e seus auxiliares retiraram-se cobertos pelas vaias e maldições dos inúmeros assitentes, que bradavam: Abaixo a Inquisição!
"Depois, muitas pessoas, em protesto, aproximaram-se e apanharam as cinzas".
E, graças a esta demonstração de brutalidade da religião de Roma, o espiritismo acabou tendo uma grande repercussão em toda a Espanha, granjeando inúmeros adeptos. De certa forma, este ato alçou o Espiritismo ao mesmo patamar de outros mártires da liberdade de espírito, incluindo Jacques DeMolay, Galileu, Giordano Bruno e aquela que, com toda a infalibilidade papal, foi condenada como bruxa à fogueira para, quatro séculos depois, ser elevada à categoria de santa, Joana D'Arc (demorou bastante para a infalibilidade papal reconhecer o erro).
Eis uma observação de Kardec, na Revue Spirite de 1864, p. 199, com respeito à divulgação do Espiritismo como umra religião pelos doutores da Lei da era moderna: "Quem primeiro proclamou que o Espiritismo era uma religião nova, com seu culto e seus sacerdotes, senão o clero? Onde se viu, até o presente, o culto e os sacerdotes do Espiritismo? Se algum dia ele se tornar uma religião, o clero é quem o terá provocado".
Kardec passou o resto da de sua vida no mister de divulgar os resultados de seus estudos e os de outros colegas. Empreendeu inúmeras viagens pela França e pela Bélgica entre 1859 a 1868, e escreveu várias brochuras e pequenos artigos para a divulgação do Espiritismo.
Kardec escreveu ainda muitos outros livros, entre eles se destacam O Livro dos Médiuns, de 1861; em 1864, O Evangelho Segundo o Espiritismo; em 1865, o maravilhoso O Céu e o Inferno, ou a Justiça Divina Segundo o Espiritismo; em 1868, A Gênese. Sempre lúcido e lógico, soube como enfrentar a oposição e difamação de inimigos gratuitos com dignidade e nobreza, reconhecendo quando algum argumento oposto tinha um valor sério e sincero. Manteve-se à frente da Societé Parisiene D'Études Spirites, além de de escrever outros livros e artigos para a Revista Espírita, até seu desencarne, ocorrido em 31 de março de 1869, aos 65 anos de idade, causado por um colápso cardíaco.
Princípios básicos da Doutrina Espírita
- Deus -
1. Existe uma Inteligência Suprema, Absoluta, não cogniscível, Causa Primária de todas as coisas, que se chama Deus, Jeová, Iavé, Alá, Brahman, O Uno, Grande-Espírito, etc. Não há efeito sem causa. A causa de um universo ordenado é, pois, uma causa acima do universo. Deus, portanto.
2. Deus está acima de qualquer definição. Como nos fala Plotino, Deus está, por ser Absoluto, acima de qualquer definição, pois Ele/Ela é infinito em seus atributos e perfeições. Além, portanto, das limitações do pensamento intelectual humano. Qualquer que seja a palavra usada para se ter uma idéia de Deus, ela sempre estará expressando algo de limitado, humano. Mas, ainda assim, podemos dizer, numa etapa didática de analogia possível ao homem, que Deus é eterno, imutável, imaterial, único, soberanamente justo e bom e Infinito em todas as suas perfeições. Mesmo estas definições são coisas sem muito sentido para se definir Deus. Expressam pálidas idéias humanas, e seu sentido pode variar de uma para outra pessoa. E é por isso que assim falam os espíritos: "Creia, não queiras ir além do fato intuitivo da existência de Deus. Não vos percais num labirinto que vos confundirá e do qual não podereis sair. Isso não vos tornará melhores, mas um pouco mais orgulhosos, porque vocês acreditaram saber sobre algo que, na verdade, vos escapa e do qual nada, em realidade, sabes. Deixai, pois, de lado todos estes sistemas que apenas vos dividem; tendes bastante coisas que vos tocam mais de perto, a começar por vós mesmos. Estudai as vossas próprias imperfeições, a fim de vos libertar delas, o que vos será mais útil e mais benéfico do que pretenderes penetrar com vossas limitações no que é impenetrável" (Resposta dada pelos espíritos à pergunta nº 14 de O Livro dos Espíritos)
- O Espírito -
3. Há no homem, ou melhor, É o homem, em sua essência, um princípio inteligente, a que normalmente chamamos "Alma" ou "Espírito", independente da matéria, em íntimo contato com o corpo, que é-lhe instrumento de aperfeiçoamento, e que possui todas as faculdades morais e psíquicas inerentes ao ser humano.
4. As doutrinas materialistas são, em grande parte, responsáveis pelo estado de náusea e desesperança que aflige, em grande parte, a humanidade. Veja-se o tópico sobre Holismo para um maior aprofundamento sobre esta afirmação.
5. O Espiritismo, enquanto Ciência (aspecto tão enfatizado por Allan Kardec, mas, atualmente, um tanto negligenciado pelos espíritas brasileiros, que transformaram a doutrina em quase que unicamente uma religião), o Espiritismo prova a existência da alma por meio dos atos inteligentes do homem e pelos atos inteligentes das manifestações mediúnicas.
6. A alma humana, ou espírito, sobrevive ao corpo, embora traga em si traços deste corpo, e conserva a sua individualidade após a morte deste.
7. A alma do homem é ditosa ou infeliz depois da morte em conseqüência direta de seus atos durante a vida, que se inscrevem em sua consicência moral.
8. A existência de um Ser Supremo, Deus, a alma e a sobrevivência e individualidade da alma após a morte do corpo, bem como o estado de felicidade ou infelicidade futuras, constituem princípios básicos fundamentais de, praticamente, todas as religiões. Por isso todas as religiões são válidas. Elas representam modalidades do entidimento do transcendente de acordo com os diversos estados de consciência do ser humano.
9. Todas as criaturas vão, sucessivamente, evoluindo no plano moral e intelectual, pelas diversas etapas por que passam nas várias reencarnações, num contínuum que vai surgindo em progressão dos reinos inorgânicos até os mais incorpóreos e espirituais.
10. A Terra não é o único planeta habitado, e nem o mais aperfeiçoado. Existem uma infinidades de mundos habitados, que oferecem vários âmbitos de evolução e aprendizado para os espíritos.
11. Há uma lei de causalidade moral, conhecida como Lei do Carma, que interliga as várias vidas sucessivas do espírito, de modo a lhe dar o meio condizente com os atos praticados anteriormente, mas onde pode atuar agora, por meio de seu livre-arbítrio.
Comentários
O aspecto moral da doutrina, resutante da filosofia espírita, foi posteriormente confundido e amalgamado com um aspecto religioso. Por possibilitar, através de sua filosofia, uma religação efetiva com a dimensão espiritual do homem, o espiritismo permite usufrir ao seu estudioso um sentimento de religiosidade, no sentido latino do termo (religare, ou seja de se religar com algo superior, transcendente) que vai muito além do sentido atual da palavra religião. A Religiosidade, que é sentimento superior ao estreito rótulo da religião, é que preenche de fato a doutrina espírita.
É o próprio Kardec quem também nos fala que o espiritismo, por ser uma ciência e uma filosofia, "é, pois, a mais potente auxiliar da religião" (Kardec, O Livro dos Espíritos, página 111 da edição da FEB), sendo, pois, algo que, se não é uma religião em si, a não ser que se queira isso, respeita todas as religiões, pois elas são a expressão da ânsia humana pelo sublime e pelo transcendente, e são válidas, assim como cada teoria de personalidade, na Psicologia, é válida de acordo com o posicionamento e maturação psicológica e emocional de cada indivíduo. Infelizmente, fizeram do espiritismo o que bem quiseram, do mesmo modo como fizeram o que bem quiseram dos ensinos do Cristo, de Sócrates, e outros....
Um estudo realmente aprofundado e sistematizado do obra de Kardec escalareceria a todos sobre estes pontos, que acredito ser de fundamental importância para a maturação da tolerância entre as diferenças religiosas e uma vacina contra qualquer tipo de dogmatismo que, vez por outra, parece brotar no posicionamento religioso de alguns espíritas e dirigentes espíritas brasileiros que, por força da tradição católica em nossa cultura, têm transformado alguns centros - que deveriam ser casas sérias de estudos psíquico-espirituais- em verdadeiras igrejas - e sem a competência destas, pois algumas pessoas passam a dar palestras sem mínimo de aprofundamento na doutrina ou nas ciências psíquicas, como em psicologia e psiquiatria, além das leituras básicas da codificação kardequiana, tirando conclusões apressadas e/ou equivocadas de alguns fenômenos psicológicos que incidem sobre parte de nossa população, taxando-os de obsessão e outras coisas mais. Ora, nem todos os problemas são causados por pertubações espirituais - isso é acusar os espíritos injustamente -, ou, se existe alguma parcela disto, foi por algum desajuste primeiro do sujeito encarnado, desajuste de cunho íntimo e pessoal que precisa de tratamento mais dirigido ao aspecto psicológico, mundando seus o padrão de pensamentos e os hábios mentais imediatos que é a causa de atração do espírito desencarnado, por sintonia psíquica. Sendo assim Kardec apontou para o fato de que muitos de nossos desajustes se devem à causas pisicossomáticas e espirituais interligadas, pondo-se, portanto, bem à frente do desenvolvimento da psicologia de seu tempo, apontando para as teorias correntes agora, nos meios acadêmicos sobre o papel da medicina psicossomática na dinâmica das doenças e distúrbios mentais.
Kardec tinha plena consciência do fato de que os conhecimentos adquiridos em seus estudos eram apenas o primeiro passo de uma longa jornada, e, como nos fala o grande escritor Léon Denis em sua obra "Depois da Morte", no capítulo XX, "A doutrina de Allan Kardec, nascida - não será demasiado repetí-lo - da observação metódica, da experiência rigorosa, não se torna um sistema definido, imutável, fora e acima das conquistas futuras da ciência. Resultado combinado de conhecimentos dos dois mundos, de duas humanidades de planos paralelos penetrando-se uma na outra, ambas, porém, imperfeitas e a caminho do entendimento de verdades mais profundas, do desconhecido, a Doutrina dos Espíritos transforma-se sem cessar, pelo trabalho e pelo progresso, e (...) acha-se aberta às retificações, aos esclarecimentos do futuro". E é isto que tem de ficar bem claro para o movimento espírita brasileiro, com alguns setores cristalizados e dogmatizados. A verdade é muito ampla para estar contida apenas nas obras do primeiro período da codificação, e as ciências evoluem para uma compreensão mais holística do homem e do universo que deve estar presente também nas nossas casas de estudo espíritas. E se há ainda pessoas que se realizam apenas no aspecto religioso do movimento, muitas outras há, especialmente entre os jovens, que anseiam por ver novos horizontes onde possam se lançar à altos vôos com as duas asas, como nos fala Emmanuel, da razão e a do coração.
Neste sentido é bom relembrar mais algumas palavras do próprio Kardec:
"O Espiritismo é uma doutrina filosófica de efeitos religiosos como qualquer filosofia espiritualista, pelo que forçosamente vai encontrar-se com AS BASES FUNDAMENTAIS DE TODAS AS RELIGIÕES: DEUS, A ALMA E A VIDA FUTURA. MAS NÃO É UMA RELIGIÃO CONSTITUÍDA, visto que não tem culto, nem rito, nem templos e que, entre seus adeptos reais, nenhum tomou o título de sarcedote ou de sumo sarcedote" (...) "O Espiritismo proclama a liberdade de consciência como direito natural; proclama-a para seus adeptos assim como para todas as pessoas. Respeita todas as convicções sinceras e faz questão de reciprocidade". (Kardec, in "Obras Póstumas" - Ligeira Resposta aos Detratores do Espiritismo, páginas 260 e 261 da 21º edição da FEB, com destaques meus).
Ora, é muito lamentável que algumas instituições que se dizem espíritas tenham em seus meios pessoas com a pseudo-sabedoria de se arvorarem donas de todo o conhecimento e evitem o contato com outros sistemas de pensamento ou com as novas descobertas científicas. Esquecem-se, em nome do dogmatismo e da vaidade, os dois mandamentos essenciais do espiritismo: "Espíritas, amai-vos, eis o primeiro mandamento; instruí-vos, eis o segundo", e põem um limite quase instransponível entre a mesa, com seus dirigentes, e a assembléia, num arremedo de hierarquia, arremate de um nível de poder político comum às religiões institucionalizadas. Ainda há tempo de retomar a seara da forma como foi planejada por Kardec, basta humildade e solidariedade, nada mais, junto com um sincero desejo de estudar e de instruir-se. Felizmente nas fileiras espíritas brasileiras existem lumiares de alto valor dentro do aspecto científico e filosófico, como Hernani Guimarães Andrade, Henrique Rodrigues, Hermínio C. Miranda, Clovis Nunes, Jorge Andrea, Raul Teixeira, Divaldo P. Franco e, por meio de sua mediunidade maravilhosa, Francisco Cândido Xavier. De forma mais ou menos indireta, também temos a obra fantástica de Pietro Ubaldi que, com a sua A Grande Síntese demonstrou algumas das temáticas só agora mais ou menos popularizadas ou divulgadas como consequencia da evolução da Física Quântica ou da concepção Holística da filosofia da ciência que foram divulgadas em grande parte nas obras de Fritjof Capra. Mas isto é um outro assunto.
Acho que o precioso trabalho de Allan Kardec ainda há de ser reconhecido pelas gerações vindouras. O sucesso que sua obra logrou a ter na segunda metade do século XIX, foi, de certa forma, ofuscada pelas crises e guerras sucessivas por que passou a Europa, que acabou por entrar numa fase de descrença existencial, com a perda de seus idéias mais espirituais, bem exemplificada pelo niilismo e mecanicismo do século XX, bem como pelo surgimento de outras correntes espirituais mais esotéricas, de sabor fortemente ocultista e, por isso mesmo, mais atrantes para algumas pessoas às quais o mecanicismo de nossa época desagrada, como a Teosofia de H. P. Blavatisk, e outras. Mas só o tempo, como agora parece ocorrer, dirá o que de fato é a obra de um dos homens mais universais do século XIX.
Bibliografia Sugerida
Atenção: Alguns dos livros espíritas aqui indicados podem ser retirados (por download) pela internet
em http://www.bauhaus.com.br/secd/
ou em http://www.febrasil.org.br/lesp_br.htm
Enciclopédia Mirador-Britannica, 1992.
Kardec, Allan A Codificação da Doutrina Espírita - Coletânea das Obras básicas de Kardec, Instituto de Difusão Espírita, São Paulo, 1997.
Kardec, Allan O Livro dos Espíritos, Federação Espírita Brasileira, São Paulo, 1990.
Kardec, Allan O Que é o Espiritismo, Federação Espírita Brasileira, São Paulo, 1990.
Kardec, Allan O Livro dos Médiuns, Lake, São Paulo, 1988.
Kardec, Allan O Céu e o Inferno, Lake, São Paulo, 1988.
Kardec, Allan Obras Póstumas, Federação Espírita Brasileira, São Paulo, 1990.
Wantuil, Zeus & Thiesen, Francisco Allan Kardec, vol. I, II e III, Fed. Espírita Brasileira, 1984.
Sausse, Henri Biografia de Allan Kardec em Allan Kardec, Ed. Opus, São Paulo,1982.
João Pessoa, Paraíba, 02/01/1997
Revisto e ampliado em 10 de março de 1998
Enviado por Marluce Faustino/RJ
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