Reação à intolerância religiosa: diga não ao preconceito
Em meio a cerca de cinco mil religiosos do Candomblé, dentre pais, mães, filhos e filhas de santo, duas senhoras começam a distribuir panfletos com mensagens bíblicas. Até então tudo respeitoso, até quando a distribuição começa a ganhar palavras de ordem: “Conheçam Jesus!”, ou “A religião de vocês é doDiabo, nosso Deus é bom! Confusãoformada e logo apartada por algumas pessoas. Não bastando a manifestação discriminatória explícita, logo depois a agressão: da janela de uma casa alguém joga água sobre os religiosos que, vestidos de branco, pediam respeito ao culto dos Orixás. Essas manifestações de intolerância buscavam intimidar, sem resultado, os participantes da III Caminhada pela Vida e LiberdadeReligiosa, realizada em Salvador nodia 25 de novembro.
A religião do Candomblé foi tema de muitas atividades duranteo mês da Consciência Negra na capital baiana. As agressões motivadas pela intolerância das seitas evangélicas são vivenciadas cotidianamente por muitos Terreiros em Salvador,em especial nos bairros onde estas comunidades estão mais concentradas. “Aqui na minha comunidade (Itapuã), apesar de termos vencido a Igreja Universal na justiça, por conta do crime cometido contra Mãe Gilda, ainda sofro perseguição por grupos de evangélicos. É só entrarem lojas e as pessoas saem correndo, somos ofendidas na rua por estar trajando roupas religiosas. São ofensas todos os dias aqui, dirigidas a mim e aos filhos da Casa”, denuncia a ialorixá Jaciara Ribeiro, filha de Gildásia dos Santos, falecida em 2000 após perseguição sofrida por evangélicos. Seu caso ganhou repercussão nacional e se tornou referência no combate à intolerância na Bahia. (veja quadro abaixo)
As manifestações públicas que exigem respeito aos rituais sagrados, à indumentária religiosa e, principalmente, aos Orixás, são uma forma de se chamar a atenção das autoridades para a gravidade das agressões sofridas pelos adeptos do Candomblé, na Bahia e no Brasil. Conhecer os direitos e saber o que é possível fazer em termos legais para assegurar a livre manifestação religiosa é fundamental: “Sem o conhecimento de nossa força, essência e nossa religião, não conhecemos o que nos é mais sagrado, que é nossa história. Isso nos fortalece”, afirmou Mãe Beata de Iemanjá, ialorixá doIlê Axé Omi Ojuarô (RJ), tambémp resente na Caminhada em Salvador.
Combate e Mapeamento - Os agressores não se limitam às palavras e à pregação contra os deuses africanos. O desrespeito contra os adeptos do Candomblé também vem em atos de agressão mais diretos. “O que vemos são casos de ofensas e agressões mais individuais, partindo de alguns fiéis mais fanáticos. O que temos feito é apurado estes casos que chegam até a Promotoria, estreitando a relação comos líderes das igrejas evangélicas para que eles cooperem na eliminação desse comportamento indesejável de seus seguidores”, aponta Almiro Sena, da Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo e Intolerância Religiosa. Este combate, inclusive, é um dos resultados esperados com a instituição do Programa de Valorização do Patrimônio Afro-Brasileiro, um produto direto do Projeto Mapeamento de Terreiros de Salvador, realizado pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (Ceao), em parceria com órgãos municipais em 2006.
O Programa foi instituído pela lei 7.216 e sancionada pelo prefeito de Salvador, João Henrique este ano.Com o Mapeamento foram cadastra-dos 1.161 Terreiros em Salvador, o que deverá servir de suporte para implementação de políticas públicas visando a qualidade de vida nestas comunidades, de acordo com a Secretaria Municipal de Reparação(SEMUR). Para tanto, ainda estão sendo esperados recursos que virãode parcerias estabelecidas pela Secretaria. “Essas políticas agora têm o embasamento legal para acontecer. Os próximos governos que vierem encontrarão agora uma legislação e não só mais uma demanda destas comunidades. Agora é política de Estado a valorização do patrimônio afro-brasileiro”, pontuou o secretário de Governo da Prefeitura, Gilmar Santiago. Com o Programa, fica instituído que Terreiros de Candomblé e a própria religião terão o reconhecimento enquanto patrimônio e que sejam encarados como tal pelos poderes públicos.
“Isso não é apenas um Mapeamento, é na verdade uma porta que se abre para a discussão sobre patrimônio afro-brasileiro que, historicamente, nunca teve uma política pública organizada e direcionada a sua valorização. Com esse diagnóstico, temos uma base de dados que nos possibilitará exigir políticas públicas de forma mais sistemática aos diversos órgãos”, explica o subsecretário da Reparação, Antônio Cosme, que aponta as conseqüências desses resultados no combate direto à intolerância religiosa. “As comunidades de Candomblé sofrem uma perseguição sistemática por parte de diversas correntes evangélicas. Sabemos que não é à toa que elas abrem suas igrejas onde há um número expressivo de Terreiros e os dados mapeados irão nos auxiliar em muito no estudo de questões como estas, para que possamos garantir os direitos das comunidades”, diz Antonio Cosme.
Realidades de grande tensão semelhantes à de bairros periféricostais como Paripe, no subúrbio de Salvador, terceiro em número de Terreiros - 40 ao todo -, segundo o mapeamento. “Esse desrespeito está em todo lugar, nas tevês, rádios e, principalmente, em nosso cotidiano. Precisamos aprender mais sobre nossa religião para que possamos nos defender desses ataques. Eles sabem quem somos e em que acreditamos, mas insistem em vir pregar à nossa porta, tentar nos convencer de que o Deus deles é melhor. Aqui, acredito que só não atacam mais porque sei dos meus direitos e conheço minha religião. Sei até onde eles podem ir”, enfatiza o Babalorixá DaryMota, do Ilê Axé Torroundê, no bairro de Paripe.
Já em 2008, serão beneficiados 55 Terreiros em Salvador, com ações que envolvem a infra-estrutura e regularização. Os dados colhidos no Mapeamento de Terreiros em Salvador já podem ser acessados no endereço eletrônico www.terreiros.ceao.ufba.br. No site, há informações sobre localização, nome do dirigente, nação, ano de fundação e fotografias dos Terreiros, assim como sobre as ações que serão desenvolvidas em cada um deles.
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No dia 13 de janeiro de 2005, foi assinada sentença obrigando a Igreja Universal do Reino de Deus a indenizar os familiares da ialorixá Gildásia dosSantos, a Mãe Gilda, em pouco mais de R$ 1,3 milhão, por danos morais. Em 1999, o jornal da igreja, Folha Universal, publicou uma foto da religiosa em matéria sob o título "Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes". Hoje, a sentença aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal. Confira de poimento da ialorixá Jaciara Ribeiro (filha de Mãe Gilda), do Axé Abassá de Ogum:
Ìrohìn: Qual o resultado da ação movida contra a Igreja Universal?
JB: Há oito anos conseguimos levar a Iurd ao tribunal. Hoje a decisão está no Supremo, em Brasília, pois eles alegam que não pagarão a indenização porque Mãe Gilda já faleceu. Eles não têm interesse em pagar para não dar visibilidade ao povo de santo e à derrota deles diante de nós.
Ìrohìn: O que a Sra. sente quanto a este caso?
JB: Infelizmente nossa religião ainda não tem um órgão qualificado para assessorar nosso povo e acredito ser muito uma questão política também. Não temos representação política que assuma a religião de fato e que lute por nós. Reconheço que só em ter levado eles ao tribunal já foi uma grande vitória. Massei também que muito ainda nos devem pela perseguição que passamos e sofremos todos os dias.
Ìrohìn: Algo mudou em sua comunidade após essa vitória?
JB: Hoje temos essa sistematização de igrejas pentecostais como um atestado da intolerância religiosa. Aqui no Abassá de Ogum tenho caminhado muito, falado muito sobre isso. Na verdade, damos mil passos, mas sentimos no final que é apenas um pela falta de crença que temos no poder do Estado em nos assegurar nossos direitos. Dia desses fui abordada por oito evangélicos de uma Igreja à qual pertence um dos que invadiram o Terreiro há alguns anos. Ameaçaram me evangelizar e me diziam que nada na minha vida daria certo por conta de minha religião. Temos passado momentos difíceis na comunidade. Vemos que o povo de santo está uma disposição maior para ir ás ruas, denunciar. Mas ainda é muito pouco diante do que a Emtursa, Bahiatursa vendem que é a Bahia. Esse culto diário aos Orixás, onde tudo é sagrado, é encanto e atrai turistas. Nada disso se traduz em melhoria para nós. Temos que caminhar muito para mudar esse quadro. Quando vemos o outro xingar nosso Orixá de Diabo é muito desgastante para nós. Entristece, dá raiva. Temos oito anos nessa caminhada árdua e o que nos importa agora é que se há leis, que sejam cumpridas. Os outros têm que nos conhecer e respeitar e saber do crime que cometem ao agirem de tal forma.
fonte: http://www.irohin.org.br/imp/template.php?edition=21&id=138
Em meio a cerca de cinco mil religiosos do Candomblé, dentre pais, mães, filhos e filhas de santo, duas senhoras começam a distribuir panfletos com mensagens bíblicas. Até então tudo respeitoso, até quando a distribuição começa a ganhar palavras de ordem: “Conheçam Jesus!”, ou “A religião de vocês é doDiabo, nosso Deus é bom! Confusãoformada e logo apartada por algumas pessoas. Não bastando a manifestação discriminatória explícita, logo depois a agressão: da janela de uma casa alguém joga água sobre os religiosos que, vestidos de branco, pediam respeito ao culto dos Orixás. Essas manifestações de intolerância buscavam intimidar, sem resultado, os participantes da III Caminhada pela Vida e LiberdadeReligiosa, realizada em Salvador nodia 25 de novembro.
A religião do Candomblé foi tema de muitas atividades duranteo mês da Consciência Negra na capital baiana. As agressões motivadas pela intolerância das seitas evangélicas são vivenciadas cotidianamente por muitos Terreiros em Salvador,em especial nos bairros onde estas comunidades estão mais concentradas. “Aqui na minha comunidade (Itapuã), apesar de termos vencido a Igreja Universal na justiça, por conta do crime cometido contra Mãe Gilda, ainda sofro perseguição por grupos de evangélicos. É só entrarem lojas e as pessoas saem correndo, somos ofendidas na rua por estar trajando roupas religiosas. São ofensas todos os dias aqui, dirigidas a mim e aos filhos da Casa”, denuncia a ialorixá Jaciara Ribeiro, filha de Gildásia dos Santos, falecida em 2000 após perseguição sofrida por evangélicos. Seu caso ganhou repercussão nacional e se tornou referência no combate à intolerância na Bahia. (veja quadro abaixo)
As manifestações públicas que exigem respeito aos rituais sagrados, à indumentária religiosa e, principalmente, aos Orixás, são uma forma de se chamar a atenção das autoridades para a gravidade das agressões sofridas pelos adeptos do Candomblé, na Bahia e no Brasil. Conhecer os direitos e saber o que é possível fazer em termos legais para assegurar a livre manifestação religiosa é fundamental: “Sem o conhecimento de nossa força, essência e nossa religião, não conhecemos o que nos é mais sagrado, que é nossa história. Isso nos fortalece”, afirmou Mãe Beata de Iemanjá, ialorixá doIlê Axé Omi Ojuarô (RJ), tambémp resente na Caminhada em Salvador.
Combate e Mapeamento - Os agressores não se limitam às palavras e à pregação contra os deuses africanos. O desrespeito contra os adeptos do Candomblé também vem em atos de agressão mais diretos. “O que vemos são casos de ofensas e agressões mais individuais, partindo de alguns fiéis mais fanáticos. O que temos feito é apurado estes casos que chegam até a Promotoria, estreitando a relação comos líderes das igrejas evangélicas para que eles cooperem na eliminação desse comportamento indesejável de seus seguidores”, aponta Almiro Sena, da Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo e Intolerância Religiosa. Este combate, inclusive, é um dos resultados esperados com a instituição do Programa de Valorização do Patrimônio Afro-Brasileiro, um produto direto do Projeto Mapeamento de Terreiros de Salvador, realizado pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (Ceao), em parceria com órgãos municipais em 2006.
O Programa foi instituído pela lei 7.216 e sancionada pelo prefeito de Salvador, João Henrique este ano.Com o Mapeamento foram cadastra-dos 1.161 Terreiros em Salvador, o que deverá servir de suporte para implementação de políticas públicas visando a qualidade de vida nestas comunidades, de acordo com a Secretaria Municipal de Reparação(SEMUR). Para tanto, ainda estão sendo esperados recursos que virãode parcerias estabelecidas pela Secretaria. “Essas políticas agora têm o embasamento legal para acontecer. Os próximos governos que vierem encontrarão agora uma legislação e não só mais uma demanda destas comunidades. Agora é política de Estado a valorização do patrimônio afro-brasileiro”, pontuou o secretário de Governo da Prefeitura, Gilmar Santiago. Com o Programa, fica instituído que Terreiros de Candomblé e a própria religião terão o reconhecimento enquanto patrimônio e que sejam encarados como tal pelos poderes públicos.
“Isso não é apenas um Mapeamento, é na verdade uma porta que se abre para a discussão sobre patrimônio afro-brasileiro que, historicamente, nunca teve uma política pública organizada e direcionada a sua valorização. Com esse diagnóstico, temos uma base de dados que nos possibilitará exigir políticas públicas de forma mais sistemática aos diversos órgãos”, explica o subsecretário da Reparação, Antônio Cosme, que aponta as conseqüências desses resultados no combate direto à intolerância religiosa. “As comunidades de Candomblé sofrem uma perseguição sistemática por parte de diversas correntes evangélicas. Sabemos que não é à toa que elas abrem suas igrejas onde há um número expressivo de Terreiros e os dados mapeados irão nos auxiliar em muito no estudo de questões como estas, para que possamos garantir os direitos das comunidades”, diz Antonio Cosme.
Realidades de grande tensão semelhantes à de bairros periféricostais como Paripe, no subúrbio de Salvador, terceiro em número de Terreiros - 40 ao todo -, segundo o mapeamento. “Esse desrespeito está em todo lugar, nas tevês, rádios e, principalmente, em nosso cotidiano. Precisamos aprender mais sobre nossa religião para que possamos nos defender desses ataques. Eles sabem quem somos e em que acreditamos, mas insistem em vir pregar à nossa porta, tentar nos convencer de que o Deus deles é melhor. Aqui, acredito que só não atacam mais porque sei dos meus direitos e conheço minha religião. Sei até onde eles podem ir”, enfatiza o Babalorixá DaryMota, do Ilê Axé Torroundê, no bairro de Paripe.
Já em 2008, serão beneficiados 55 Terreiros em Salvador, com ações que envolvem a infra-estrutura e regularização. Os dados colhidos no Mapeamento de Terreiros em Salvador já podem ser acessados no endereço eletrônico www.terreiros.ceao.ufba.br. No site, há informações sobre localização, nome do dirigente, nação, ano de fundação e fotografias dos Terreiros, assim como sobre as ações que serão desenvolvidas em cada um deles.
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No dia 13 de janeiro de 2005, foi assinada sentença obrigando a Igreja Universal do Reino de Deus a indenizar os familiares da ialorixá Gildásia dosSantos, a Mãe Gilda, em pouco mais de R$ 1,3 milhão, por danos morais. Em 1999, o jornal da igreja, Folha Universal, publicou uma foto da religiosa em matéria sob o título "Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes". Hoje, a sentença aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal. Confira de poimento da ialorixá Jaciara Ribeiro (filha de Mãe Gilda), do Axé Abassá de Ogum:
Ìrohìn: Qual o resultado da ação movida contra a Igreja Universal?
JB: Há oito anos conseguimos levar a Iurd ao tribunal. Hoje a decisão está no Supremo, em Brasília, pois eles alegam que não pagarão a indenização porque Mãe Gilda já faleceu. Eles não têm interesse em pagar para não dar visibilidade ao povo de santo e à derrota deles diante de nós.
Ìrohìn: O que a Sra. sente quanto a este caso?
JB: Infelizmente nossa religião ainda não tem um órgão qualificado para assessorar nosso povo e acredito ser muito uma questão política também. Não temos representação política que assuma a religião de fato e que lute por nós. Reconheço que só em ter levado eles ao tribunal já foi uma grande vitória. Massei também que muito ainda nos devem pela perseguição que passamos e sofremos todos os dias.
Ìrohìn: Algo mudou em sua comunidade após essa vitória?
JB: Hoje temos essa sistematização de igrejas pentecostais como um atestado da intolerância religiosa. Aqui no Abassá de Ogum tenho caminhado muito, falado muito sobre isso. Na verdade, damos mil passos, mas sentimos no final que é apenas um pela falta de crença que temos no poder do Estado em nos assegurar nossos direitos. Dia desses fui abordada por oito evangélicos de uma Igreja à qual pertence um dos que invadiram o Terreiro há alguns anos. Ameaçaram me evangelizar e me diziam que nada na minha vida daria certo por conta de minha religião. Temos passado momentos difíceis na comunidade. Vemos que o povo de santo está uma disposição maior para ir ás ruas, denunciar. Mas ainda é muito pouco diante do que a Emtursa, Bahiatursa vendem que é a Bahia. Esse culto diário aos Orixás, onde tudo é sagrado, é encanto e atrai turistas. Nada disso se traduz em melhoria para nós. Temos que caminhar muito para mudar esse quadro. Quando vemos o outro xingar nosso Orixá de Diabo é muito desgastante para nós. Entristece, dá raiva. Temos oito anos nessa caminhada árdua e o que nos importa agora é que se há leis, que sejam cumpridas. Os outros têm que nos conhecer e respeitar e saber do crime que cometem ao agirem de tal forma.
fonte: http://www.irohin.org.br/imp/template.php?edition=21&id=138
Veja matéria completa com fotos em: http://fazendoadiferenca.blogpspot.com/
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