sábado, 21 de novembro de 2009

A Janela dos Outros


(Martha Medeiros)


Gosto dos livros de ficção do psiquiatra Irvin Yalom
(Quando Nietzsche Chorou, A Cura de Schopenhauer) e por isso acabei
comprando também seu "Os Desafios da Terapia", em que ele discute
alguns relacionamentos padrões entre terapeuta e paciente, dando
exemplos reais. Eu devo ter sido psicanalista em outra encarnação,
tanto o assunto me fascina.

Ainda no início do livro, ele conta a história de uma
paciente que tinha um relacionamento difícil com o pai.
Quase nunca conversavam, mas surgiu a oportunidade de
viajarem juntos de carro e ela imaginou que seria um bom momento para
se aproximarem.
Durante o trajeto, o pai, que estava na direção, comentou
sobre a sujeira e degradação de um córrego que acompanhava a
estrada... A garota olhou para o córrego a seu lado e viu águas
límpidas, um cenário de Walt Disney. E teve a certeza de que ela e o
pai realmente não tinham a mesma visão da vida.

Seguiram a viagem sem trocar mais palavra.

Muitos anos depois, esta mulher fez a mesma viagem, pela
mesma estrada, desta vez com uma amiga. Estando agora ao volante, ela
surpreendeu-se: do lado esquerdo, o córrego era realmente feio e
poluído, como seu pai havia descrito, ao contrário do belo córrego que
ficava do lado direito da pista.
E uma tristeza profunda se abateu sobre ela por não ter
levado em consideração o então comentário de seu pai, que a esta
altura já havia falecido.

Parece uma parábola, mas acontece todo dia: a gente só tem
olhos para o que mostra a nossa janela, nunca a janela do outro. O
que a gente vê é o que vale, não importa que alguém bem perto esteja
vendo algo diferente.

A mesma estrada, para uns, é infinita, e para outros, curta.
Para uns, o pedágio sai caro; para outros, não pesa no bolso. Boa
parte dos brasileiros acredita que o país está melhorando, enquanto
que a outra perdeu totalmente a esperança. Alguns celebram a
tecnologia como um fator evolutivo da sociedade, outros lamentam que
as relações humanas estejam tão frias. Uns enxergam nossa cultura
estagnada, outros aplaudem a crescente diversidade.
Cada um gruda o nariz na sua janela, na sua própria paisagem.

Eu costumo dar uma espiada no ângulo de visão do vizinho. Me
deixa menos enclausurada nos meus próprios pontos de vista, mas, em
contrapartida, me tira a certeza de tudo.

Dependendo de onde se esteja posicionado, a razão pode estar
do nosso lado, mas a perderemos assim que trocarmos de lugar.
Só possuindo uma visão de 360 graus para nos declararmos
sábios. E a sabedoria recomenda que falemos menos, que batamos menos
o martelo e que sejamos menos enfáticos, pois todos estão certos e
todos estão errados em algum aspecto da análise..


É o triunfo da dúvida.


Enviado por Pompéia Moreira/BA

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