segunda-feira, 19 de abril de 2010

<> A Oradora <>


Enviado por Marluce Faustino/RJ
 

 

 

 A ORADORA.
 
Era uma reunião pública em um Centro Espírita localizado na Terra Firme, um bairro bastante pobre de Belém, por volta de 1979. A platéia, diminuta e pouco afeita à Doutrina, ouvia explanação de uma jovem, que se iniciava na tarefa expositiva.
 
Falava de mediunidade com bastante entusiasmo, na verdade mais entusiasmo do que base. Mas era natural que isso acontecesse considerando a idade e a inexperiência.
 
Dois companheiros mais conhecedores e mais experientes, procuravam ajudar colocando aqui e ali apartes que, a pretexto de endossar o que era dito, esclareciam pontos que não ficavam bastante claros para o reduzido grupo e encaminhavam os comentários para ajudá-la a não afastar-se dos ensinamentos espíritas.
 
A oradora não se apercebia da ajuda, provavelmente acreditava que os apartes eram realmente aplausos e ficava cada vez mais empolgada.
 
Da empolgação à vaidade e presunção vai pequena distância quando a pessoa nao cultiva os hábitos salutares da modéstia e não possui conhecimento suficiente para exercer a autocrítica.
 
E a nossa jovem expositora, cada vez mais empolgada com seu "profundo" conhecimento doutrinário, passou a afirmar que a grande maioria das pessoas não possuem qualquer tipo ou vestígio de mediunidade.
 
Ficou difícil corrigir sem desmenti-la.
 
Não é pelo fato de existirem espíritas que dizem coisas semelhantes que deveria ser deixada sem correção tal assertiva. Ela vai de encontro ao que nos ensinam os espíritos.
 
Um dos companheiros procurou intervir, do modo mais gentil possível, informando que, se considerarmos, no sentido amplo, o termo mediunidade, como meio de intercâmbio entre o campo espiritual e o material, todo ser humano poderia ser considerado médium.
 
Todo ser humano possui mediunidade intuitiva, condição imprescindível para poder receber ajuda espiritual.
 
De que adiantaria termos Anjo da Guarda, Espíritos Protetores, amigos espirituais, etc., se não pudéssemos receber suas intuições?
 
Como seria, então, possível a ajuda espiritual?
 
É sabido que todo ser humano pode ser intuído, seja por bons ou por maus espírito.
 
Aquela idéia boa que repentinamente nos ocorre e que nos leva a perguntar: - Como não "pensei" nisso antes? raramente é realmente nossa. Quase sempre é resultado da ajuda de um espírito amigo.
 
Nós é que, em nossa imensa vaidade, costumamos botar a culpa do que fazemos e dizemos de errado nos espíritos atrasados.
 
- Eu fazer ou dizer isso? Impossível! Só se foi sob influência de um espírito atrasado.
 
Pode até ter sido e, então, terá havido uma intuição. O mais provável, entretanto, é que a falha seja nossa.
 
O fato é que quando ocorre o contrário nós nunca fazemos questão de dizer que o que fizemos ou dissemos de certo tenha sido de responsabilidade de um bom espírito.
 
Sempre assumimos inteiramente a autoria do fato construtivo, inteligente e racional.
 
Não sei se pelo fato de o companheiro ter se excedido no tamanho do aparte ou se despertada pelo fato de estar sendo contraditada, a palestrante não gostou.
 
Amarrou a cara, azedou a voz e se ficasse por aí ainda iria tudo bem, seria humano. O pior veio depois, quando resolveu liquidar o aparte com uma prova monumental de sua razão.
 
- "Houve uma reunião no (e citou o nome de um Centro Espírita de Belém que, pelas dimensões de suas instalações, é muito usado para atividades que reúnam pessoas de várias casas espírita) de debates em que se tratou de mediunidade e lá ficou decidido que intuição não é mediunidade.
 
E completou autoritária: - "Logo não é".
 
A moça acabava de fazer uma extraordinária descoberta. Até então ninguém sabia que no espiritismo havia reuniões tipo concílio, para decidir, em definitivo, pontos doutrinários. Tão pouco ninguém ouvira falar do tal concílio,  seria o Belém 1 ?
 
Se tal fato realmente se passou como ela informou, não sei. Quero crer que ela interpretou mal alguma coisa.
 
Só sei que neste exato momento ela havia revelado sua total incapacidade, confirmada posteriormente, para a tribuna espírita. É preciso nunca ter entendido nada de espiritismo para julgar que alguém ou algum órgão tenha poderes para determinar, ao movimento espírita, qualquer interpretação doutrinária.
 
Até porque a Doutrina ainda não foi inteiramente revelada em lugar algum.
 
A Doutrina é progressiva.
 
Estacionários são os espíritos soberbos que se julgam sábios e que, portanto, nada mais têm a aprender e então estacionam.
 
Por outro lado o fato nos leva a pensar, com muito receio, nas conseqüências que podem advir de reuniões mal preparadas ou mal dirigidas, nas quais os participantes dizem tudo o que lhes vêm à cabeça, mesmo absurdos, e nas quais os responsáveis, baseados em estranhas "técnicas" deixam cada um com a sua "verdade".
 
Mais ou menos na mesma época, assisti outro "espetáculo".
 
Determinado dia, resolvi assistir uma reunião no já aludido Centro.
 
Como já disse, ele era pouco freqüentado até em razão de estar meio abandonado pelo presidente da época e também pela grande infiltração protestante no bairro.
 
Essa infiltração era tão grande ao ponto de, após uma distribuição de exemplares do "O Evangelho Segundo o Espiritismo", muitos exemplares serem devolvidos ao Centro por ter o pastor afirmado que fazia mal ter coisas ligadas ao Espiritismo, em casa.
 
Assim, além de pequena, a platéia era muito inconstante.
 
Neste dia, cerca de vinte pessoas aguardavam a palestra.
 
O palestrante, que também presidiu os trabalhos (?), era, para mim, desconhecido.
 
Pela roupa via-se que não era do bairro.
 
Pelo falar notava-se que era um universitário ou recém-formado, seu nome nunca fiquei sabendo.
 
Ao iniciar, disse que o tema do dia era "O Aborto à Luz do Espiritismo".
 
Preparei-me para ouvi-lo quando fui surpreendido com a separação da platéia em quatro grupos de cerca de cinco pessoas cada um.
 
Para cada grupo escolheu um coordenador e mandou que procurassem um lugar para debater e concluir. Isto era fácil porque a sede do Centro era materialmente grande, é um colégio público, com várias salas.
 
Fui, apesar de protestar, designado para coordenar um grupo.
 
Achado o local, perguntei o grau de conhecimento espírita de cada um, para avaliar como agir.
 
Fiquei estarrecido.
 
Nenhum havia lido, sequer possuía, qualquer obra espírita. Dois, um casal, pela primeira vez pisavam em uma casa espírita. Dos outros, a mais antiga era uma senhora que ia ao Centro pela 5º vez.
 
Como analisar alguma coisa à luz do espiritismo? Eles nem sabiam o que era isso.
 
Achei melhor aproveitar o tempo de forma mais útil e fiz uma palestra sobre o tema.

 Na volta, 50 minutos após, o "palestrante do dia", perguntou pelas conclusões dos grupos.
 
Quando consultado, disse alguma coisa da palestra que eu havia feito, ele vibrou: - "Viram? Já estamos chegando a conclusões interessantes".
 
Foi quando eu extravasei dizendo que não tinha havido conclusão nenhuma, nem poderia haver por falta de conhecimento  do grupo, disse que já que ele não tinha cumprido a sua obrigação de esclarecer, eu havia feito a sua tarefa, que não acreditava que ele houvesse sido convidado para ir ao Centro apenas para ler jornal, como ele havia feito.
 
Achando-se cheio de razoes, o "palestrante" argumentou que estava aplicando moderna técnica de dois psicólogos franceses, cujos nomes não guardei por nunca ter ouvido falar neles. Que ninguém tinha o direito de "impor" conclusões a ninguém, que cada um tinha sua verdade e devia chegar só às suas conclusões, à sua própria verdade. Quanto a isso, tinha razão, mas esqueceu que é preciso dar material para o raciocínio. Sem base não é possível, a ninguém, concluir coisa nenhuma.
 
A reunião terminou.
 
Após, já na rua, os demais participantes solidarizavam-se comigo e fiquei sabendo da seguinte "maravilha": Na reunião anterior, com a mesma técnica, tratando de reencarnação, a conclusão, aceita por ele sem contestação ou comentário algum, foi de que a reencarnação não existia. Beleza!
 
Levei o fato ao conhecimento do presidente que não comparecia ao Centro há bastante tempo. Parece que o "palestrante" sumiu.
 
Creio que não esclarecia o que a Doutrina ensina sobre os assuntos enfocados, por também não saber. Para mim, única explicação aceitável para tudo isso.
 
No Espiritismo a única verdade é aquela que os espíritos nos trazem ou confirmam.
 
Espiritismo se aprende, não se inventa, ninguém pode adaptá-lo a sua forma de pensar e de agir.
 
As pessoas é que devem se adaptar ao espiritismo e não ele às pessoas.
 
A Doutrina está plenamente codificada nas obras básicas. Na imensa literatura complementar são mostrados novos ângulos e ensinados novos conhecimentos.
 
Não devemos, nem podemos, meter a nossa colher. Liberdade de pensamento existe mas até para isso é necessário conhecer, estudar, sem o que não haverá a mínima condição de chegar a qualquer conclusão.
 
Como argumentar dentro da Doutrina se não a conhecermos? A seguir a "lógica" do cidadão que "presidia" os trabalhos, o Espiritismo iria virar uma tremenda bagunça onde ninguém se poderia entender. Há princípios básicos, perfeitamente definidos, sem os quais ninguém pode se dizer espírita.
 
Deus, Jesus, Espírito, Imortalidade, Mediunidade, Reencarnação, são perfeitamente definidos e é impossível alguém se dizer espírita e não aceitar qualquer desses pontos. Há outros pontos também capitais como: Pluralidade dos mundos habitados, influência dos espíritos em nossa vida e na natureza, perispírito, o plano espiritual.
 
Embora ninguém, na verdade seja obrigado a nada no Espiritismo, por uma questão de coerência quem não aceita como realidade os temas acima relacionados não pode dizer que é espírita. Há liberdade, mas não de inventar absurdos. Nos pontos não capitais e ainda não esclarecidos devidamente pela espiritualidade é que se pode admitir interpretações pessoais ou o Espiritismo viraria uma "casa da mãe Joana".
 
Escrevo sobre isso para alertar os companheiros do perigo que é, para a Doutrina, a entrega de determinadas tarefas para pessoas despreparadas.
 
Ademais, repito, essa é a Religião dos Espíritos, que Deus nos livre de se tornar a dos homens.
 
(Do Livro "Já Estava Escrito" - Hélio da Silveira Pinto).
 
 

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