As duas Damas
Vinha vestida num manto negro, vestes amassadas, olhos fundos, feições encovadas.
Mirei-a no instante da passagem, seguindo a poeira que se erguia do seu andar entediante e deslustrado.
Olhou-me e dirigiu a mim palavras salteadas, enxurrando o chão de melancolia.
Disse-me...
Tu me conheces, embora não te recordas do meu hálito frio.
Eu sou a corda rompida da cítara que não pode mais soar.
Sou a flauta sem sopro, muda diante do silêncio intragável.
Eu sou o musgo bolorento que se insinua por entre as raízes vivas.
Sou quem suga o ânimo e faz solver das ânforas o pesar.
Visito crianças, jovens, homens e mulheres, e as cãs alvas da idade...
Assusto a todos com desespero.
Sou inimiga oculta que chega sem se anunciar. Todos me evitam com medo da minha estadia em suas vidas.
Tenho a força para mudar o instante daquele que se julga imbatível.
O mais forte dos homens treme ao meu enlace e se desfaz em lágrimas como débil menino.
O mais poderoso dos reis rasteja aos meus pés quando o cortejo.
As portas se fecham ao meu sussurro.
O dourado do ocaso é negro quando chego.
A ampulheta rápida do tempo parece infindável, sem deixar cair a areia interminável das horas unidas a mim.
Eu sou, eu fui, serei a maior dominadora do instante que nunca passa.
Curioso indaguei a temível dama de negro... Quem és tu?
Disse-me então com a voz velada...
Eu sou a dor!
Sou eu quem coloca algemas nos pulsos da ilusão humana e cala a ansiosa alegria, fazendo-os rastejar na realidade que desperta para a aflição.
Falou assim e deu de ombros, enfurnando-se na tristeza da solidão.
Foi quando percebi chegar saltitante por entre o canavial que se levantava dobrando em aplausos, aloirada dama que os raios solares beijava sofregamente a pele alva, irradiando alacridade e júbilo.
As aves emplumadas gorjeavam alarmante cantoria.
As madresilvas dançavam ao vento, suando o ar com o seu perfume.
Na ventura alegre do momento, as ninfas acompanhavam o cortejo em festa, correndo pelo capinzal, declamando versos aos ouvidos atentos.
De soslaio, a dama rodopiou com as vestes brancas a brandir no ar, tal quais asas abertas, prontas para o vôo e endereçou-me um olhar de brilho.
Absorto pelo ridente vicejante da sua face, perguntei...
E tu, quem és tu dama ensolarada?
Em trovas de contentamento me disse...
Eu sou aquela que vem trazer água para refrescar o ardor.
Sou o lume que carrega dádivas aos pobres e sofredores.
Sou a grande promessa as almas.
Sou desejada por todos, indistintamente! Quem não desejaria receber o meu abraço?
Porém, os homens, só me conhecem por partes, nunca divisando a minha totalidade, que preservo para os puros de coração.
Insinuo-me pelos caminhos e quando adentro os lares, transformo-os em festa de regozijo.
Sou o primeiro beijo dos namorados apaixonados.
Sou o primeiro olhar da mãe quando vê o filhinho nascer.
Sou o viço da generosidade...
Sou a frondosa terra no afagar da semente.
Sou o maior tesouro, oculta na bondade...
Sou o fanal da vida humana.
Sou a flor que brota em pétalas de esperança...
Sou as pegadas perseguidas.
A aproximação do Éden...
Entendendo a importância suprema que se agigantava por lábios tão seculares, tanto mais curioso, indaguei... Dizes... por tudo... quem tu és?
Eu?...
Eu sou a felicidade!
Felicidade que ultrapassando os momentos do encontro com a dor, tendo com ela aprendido, pode enfim bailar livremente nos jardins da existência.
Tagore
Mensagem recebida na reunião mediúnica da
Fraternidade Espírita Irmã Scheilla em 06/07/2010
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