domingo, 15 de maio de 2011

RETORNO À VIDA CORPORAL


O Livro dos Espíritos

Parte Segunda – Capítulo 7

Retorno à vida corporal

Prelúdio do retorno – União da alma e do corpo. Aborto – Faculdades morais e intelectuais do homem – Influência do organismo – Os deficientes mentais e a loucura – Infância – Simpatias e antipatias terrenas – Esquecimento do passado

Prelúdio do retorno

330 Os Espíritos conhecem a época em que reencarnarão?

– Eles a pressentem, assim como um cego sente o fogo quando dele se aproxima. Sabem que devem retornar a um corpo como sabeis que um dia deveis morrer, mas não sabem quando isso vai acontecer. (Veja, nesta obra, a questão 166.)

330 a A reencarnação é, então, uma necessidade da vida espírita, assim como a morte é uma necessidade da vida corporal?

– Certamente. É exatamente assim.

331 Todos os Espíritos se preocupam com sua reencarnação?

– Há muitos que nem mesmo pensam nisso, nem a compreendem; isso depende de sua natureza mais ou menos avançada. Para alguns, a incerteza quanto ao futuro é uma punição.

332 O Espírito pode antecipar ou retardar o momento de sua reencarnação?

– Pode antecipá-lo, solicitando-o em suas preces. Pode também retardá-lo, recuar diante da prova, porque entre os Espíritos há também os covardes e os indiferentes, mas não o fazem impunemente. Ele sofre, como quem recua diante do remédio salutar que pode curá-lo.

333 Se um Espírito se encontrasse bastante feliz por estar numa condição mediana na espiritualidade e se não tivesse ambição de progredir, poderia prolongar esse estado indefinidamente?

– Não. Não indefinidamente. Progredir é uma necessidade que o Espírito sente, cedo ou tarde. Todos devem elevar-se, esse é o propósito da destinação dos Espíritos.

334 A união da alma com este ou aquele corpo é predestinada, ou a escolha se faz apenas no último momento?

– O Espírito é sempre designado antes. Ao escolher a prova por que deseja passar, pede para encarnar; portanto, Deus, que tudo sabe e tudo vê, sabe e vê antecipadamente que alma se unirá a qual corpo.

335 O Espírito faz a escolha do corpo em que deve encarnar, ou apenas do gênero de vida que lhe deve servir de prova?

– Pode escolher o corpo, já que as imperfeições desse corpo são para ele provas que ajudam no seu adiantamento, se vencer os obstáculos que aí encontra. Embora possa pedir, a escolha nem sempre depende dele.

335 a O Espírito poderia, no último momento, recusar o corpo escolhido por ele?

– Se recusasse, sofreria muito mais do que aquele que não tentou nenhuma prova.

336 Poderia acontecer que um corpo que tivesse de nascer não encontrasse Espírito para encarnar nele?

– Deus a isso proveria. Quando a criança deve nascer para viver, está sempre predestinada a ter uma alma; nada foi criado sem finalidade.

337 A união do Espírito com um determinado corpo pode ser imposta pela Providência Divina?

– Pode ser imposta, bem como as diferentes provas, especialmente quando o Espírito ainda não está apto a fazer uma escolha com conhecimento de causa. Como expiação, o Espírito pode ser obrigado a se unir ao corpo de uma criança que por seu nascimento e pela posição que terá no mundo poderão tornar-se para ele uma punição.

338 Se acontecesse de muitos Espíritos se apresentarem para um mesmo corpo determinado a nascer, o que ficaria decidido entre eles?

– Muitos podem pedir isso. Julga-se num caso desses quem é mais capaz de desempenhar a missão à qual a criança está destinada; mas, como já foi dito, o Espírito já está designado antes do instante que deve unir-se ao corpo.

339 O momento da encarnação é acompanhado de uma perturbação semelhante à que se experimenta ao desencarnar?

– Muito maior e principalmente mais longa. Na morte o Espírito sai da escravidão; no nascimento, entra nela.

340 O instante em que o Espírito deve encarnar é para ele solene? Realiza esse ato como uma coisa séria e importante?

– É como um navegante que embarca para uma travessia perigosa e não sabe se vai encontrar a morte nas ondas que enfrenta.

 O navegante que embarca sabe a que perigos se expõe, mas não sabe se naufragará; o mesmo acontece com o Espírito: ele conhece as provas às quais se submete, mas não sabe se fracassará. Da mesma forma que para o Espírito a morte do corpo é como um renascimento, a reencarnação é uma espécie de morte, ou melhor, de exílio, de clausura. Ele deixa o mundo dos Espíritos pelo mundo corporal, assim como o homem deixa o mundo corporal pelo mundo dos Espíritos. O Espírito sabe que vai reencarnar, do mesmo modo que o homem sabe que vai morrer. Mas, exatamente como o homem só tem consciência da morte no momento extremo, também o Espírito só tem consciência da reencarnação no momento determinado; então, nesse momento supremo, a perturbação se apossa dele e persiste, até que a nova existência esteja totalmente formada. Os momentos que antecedem à reencarnação são uma espécie de agonia para o Espírito.

341 A incerteza em que se encontra o Espírito sobre a eventualidade do sucesso das provas que vai suportar na vida é motivo de ansiedade antes de sua encarnação?

– Uma ansiedade muito grande, uma vez que as provas dessa existência retardarão ou adiantarão seu progresso, de acordo com o que tiver suportado bem ou mal.

342 No momento de sua reencarnação, o Espírito está acompanhado por outros Espíritos, seus amigos, que vêm assistir à sua partida do mundo espírita, assim como o recebem quando para lá retorna?

– Isso depende da esfera que o Espírito habita. Se estiver onde reina a afeição, os Espíritos que o amam o acompanham até o último momento, encorajam-no, e muitas vezes até o seguem durante a vida.

343 Os Espíritos amigos que nos seguem durante a vida são alguns dos que vemos em sonho, que nos demonstram afeição e se apresentam a nós com aparências desconhecidas?

– Muito freqüentemente são os mesmos. Vêm vos visitar, assim como visitais um prisioneiro.

União da alma e do corpo. Aborto

344 Em que momento a alma se une ao corpo?

– A união começa na concepção, mas só se completa no instante do nascimento. No momento da concepção, o Espírito designado para habitar determinado corpo se liga a ele por um laço fluídico e vai aumentando essa ligação cada vez mais, até o instante do nascimento da criança. O grito que sai da criança anuncia que ela se encontra entre os vivos e servidores de Deus.

345 A união entre o Espírito e o corpo é definitiva desde o momento da concepção? Durante esse primeiro período o Espírito poderia renunciar ao corpo designado?

– A união é definitiva no sentido de que nenhum outro Espírito poderá substituir o que está designado para aquele corpo. Mas, como os laços que o unem são muito frágeis, fáceis de se romper, podem ser rompidos pela vontade do Espírito, se este recuar diante da prova que escolheu; nesse caso, a criança não vive.

346 O que acontece ao Espírito, se o corpo que escolheu morre antes de nascer?

– Ele escolhe um outro.

346 a Qual é a razão dessas mortes prematuras?

– As imperfeições da matéria são a causa mais freqüente dessas mortes.

347 Que utilidade pode ter para um Espírito sua encarnação num corpo que morre poucos dias após seu nascimento?

– O ser não tem a consciência inteiramente desenvolvida de sua existência e a importância da morte é para ele quase nula. É muitas vezes, como já dissemos, uma prova para os pais.

348 O Espírito sabe, com antecedência, que o corpo que escolheu não tem probabilidades de vida?

– Algumas vezes, sabe; mas se o escolher por esse motivo, é porque recua diante da prova.

349 Quando uma encarnação falha para o Espírito, por uma causa qualquer, é suprida imediatamente por outra existência?

– Nem sempre imediatamente. É preciso ao Espírito o tempo de escolher de novo, a menos que uma reencarnação imediata seja uma determinação anterior.

350 O Espírito, uma vez unido ao corpo de uma criança e quando já não pode voltar atrás, lamenta, algumas vezes, a escolha que fez?

– Quereis dizer se, como homem, lastima a vida que tem? Se gostaria de outra? Sim. Lamenta-se da escolha que fez? Não; ele não sabe que a escolheu. O Espírito, uma vez encarnado, não pode lamentar uma escolha de que não tem consciência, mas pode achar a carga muito pesada e considerá-la acima de suas forças. São esses os casos dos que recorrem ao suicídio.

351 No intervalo da concepção ao nascimento, o Espírito desfruta de todas as suas faculdades?

– Mais ou menos, de acordo com a época, visto que ainda não está encarnado, e sim vinculado. Desde o instante da concepção, o Espírito começa a ser tomado de perturbação, anunciando-lhe que é chegado o momento de tomar uma nova existência; essa perturbação vai crescendo até o nascimento. Nesse intervalo, seu estado é quase idêntico ao de um Espírito encarnado durante o sono do corpo. À medida que a hora do nascimento se aproxima, suas idéias se apagam, assim como a lembrança do passado, do qual não terá mais consciência, como pessoa, logo que entrar na vida. Mas essa lembrança lhe volta pouco a pouco à memória ao retornar ao seu estado de Espírito.

352 No momento do nascimento, o Espírito recupera imediatamente a plenitude de suas faculdades?

– Não, elas se desenvolvem gradualmente com os órgãos. É para ele uma nova existência; é preciso que aprenda a se servir de seus instrumentos. As idéias lhe voltam pouco a pouco, como a uma pessoa que sai do sono e se encontra numa posição diferente daquela que tinha na véspera.

353 Como a união do Espírito e do corpo só está completa e definitivamente consumada após o nascimento, pode-se considerar o feto como tendo uma alma?

– O Espírito que deve animá-lo existe, de alguma forma, fora dele; não possui, propriamente falando, uma alma, já que a encarnação está apenas em via de se operar. Mas o feto está ligado à alma que deve possuir.

354 Como explicar a vida intra-uterina?

– É a da planta que vegeta. A criança vive, então, a vida animal. O homem tem em si a vida animal e a vida vegetal, que se completam no nascimento com a vida espiritual.

355 Há, como indica a ciência, crianças que, desde o ventre materno, não têm possibilidades de viver? Qual o objetivo disso?

– Isso acontece freqüentemente; a Providência o permite como prova para seus pais ou para o Espírito que está para reencarnar.

356 Existem crianças que, nascendo mortas, não foram destinadas à encarnação de um Espírito?

– Sim, há as que nunca tiveram um Espírito destinado para o corpo; nada devia realizar-se por elas. É, então, somente pelos pais que essa criança veio.

356 a Um ser dessa natureza pode chegar a nascer?

– Sim, algumas vezes; porém, não vinga, não vive.

356 b Toda criança que sobrevive ao nascimento tem, necessariamente, um Espírito encarnado nela?

– O que seria sem o Espírito? Não seria um ser humano.

357 Quais são, para o Espírito, as conseqüências do aborto?

– É uma existência nula que terá de recomeçar.

358 O aborto provocado é um crime, qualquer que seja a época da concepção?

– Há sempre crime quando se transgride a Lei de Deus. A mãe, ou qualquer outra pessoa, cometerá sempre um crime ao tirar a vida de uma criança antes do seu nascimento, porque é impedir a alma de suportar as provas das quais o corpo devia ser o instrumento.

359 No caso em que a vida da mãe esteja em perigo pelo nascimento do filho, existe crime ao sacrificar a criança para salvar a mãe?

– É preferível sacrificar o ser que não existe a sacrificar o que existe.

360 É racional ter pelo feto a mesma atenção que se tem pelo corpo de uma criança que tenha vivido?

– Em tudo isso deveis ver a vontade de Deus e Sua obra. Não trateis, portanto, levianamente as coisas que deveis respeitar. Por que não respeitar as obras da Criação, que são incompletas algumas vezes pela vontade do Criador? Isso pertence a seus desígnios, que ninguém é chamado a julgar.

Faculdades morais e intelectuais do homem

361 De onde vêm, para o homem, suas qualidades morais, boas ou más?

– São do Espírito encarnado nele; quanto mais o Espírito for puro, mais o homem é levado ao bem.

361 a Parece resultar daí que o homem de bem é a encarnação de um Espírito bom e o homem vicioso a de um mau?

– Sim. Mas devemos dizer que é um Espírito imperfeito, senão poderia se acreditar na existência de Espíritos sempre maus, a quem chamais de demônios.

362 Qual é o caráter dos indivíduos nos quais encarnam os Espíritos travessos e levianos?

– São criaturas imprudentes, maliciosas e, algumas vezes, seres maldosos.

363 Os Espíritos possuem paixões que não pertencem à humanidade?

– Não; se as tivessem as teriam comunicado aos homens.

364 É o mesmo Espírito que dá ao homem as qualidades morais e da inteligência?

– Certamente é o mesmo, e isso em razão do grau que alcançou na escala evolutiva. O homem não tem em si dois Espíritos.

365 Por que alguns homens muito inteligentes, que evidenciam estar neles encarnados Espíritos Superiores, são, ao mesmo tempo, cheios de vícios?

– É que os Espíritos encarnados neles não são puros o suficiente, e o homem cede à influência de outros Espíritos ainda piores. O Espírito progride numa marcha ascendente insensível, mas o progresso não se cumpre simultaneamente em todos os sentidos. Durante um período das suas muitas existências, pode avançar em ciência; num outro, em moralidade.

366 O que pensar da opinião de que as diferentes faculdades intelectuais e morais do homem seriam o produto de diferentes Espíritos encarnados nele e tendo cada um uma aptidão especial?

– Ao refletir sobre essa opinião, reconhece-se que é absurda. O Espírito deve ter todas as aptidões; para poder progredir, lhe é necessária uma vontade única. Se o homem fosse uma mistura de Espíritos, essa vontade não existiria e não teria individualidade, uma vez que, em sua morte, todos esses Espíritos seriam como um bando de pássaros escapados duma gaiola. O homem lamenta-se, freqüentemente, de não compreender certas coisas, e é curioso ver como multiplica as dificuldades, quando tem ao seu alcance uma explicação muito simples e natural. Ainda aqui, toma o efeito pela causa; é fazer em relação ao homem o que os pagãos faziam em relação a Deus. Eles acreditavam em tantos deuses quantos são os fenômenos no universo, mas mesmo entre eles havia pessoas sensatas que já viam nesses fenômenos apenas efeitos, que tinham uma única causa – Deus.

 O mundo físico e o mundo moral nos oferecem, a esse respeito, numerosos pontos de comparação. Acreditou-se na existência múltipla da matéria enquanto se esteve apegado à aparência dos fenômenos. Hoje, compreende-se que esses fenômenos tão variados podem muito bem não passar de modificações de uma matéria elementar única. Os diversos dons são manifestações de uma mesma causa que é a alma, ou Espírito encarnado, e não de diversas almas, assim como os diferentes sons do órgão são o produto do mesmo ar e não de tantas outras espécies de ar quantos sejam os sons. Desse sistema resultaria que, quando um homem perde ou adquire certas aptidões, certas tendências, isso seria pela ação de outros tantos Espíritos que vieram a encarnar nele ou que se foram, o que o tornaria um ser múltiplo, sem individualidade e, conseqüentemente, sem responsabilidade. Também contradizem essa idéia os exemplos tão numerosos de manifestações pelas quais os Espíritos provam sua personalidade e identidade.

Influência do organismo

367 O Espírito, ao se unir ao corpo, se identifica com a matéria?

– A matéria é apenas o envoltório do Espírito, assim como a roupa é o envoltório do corpo. O Espírito, ao se unir ao corpo, conserva o que é próprio de sua natureza espiritual.

368 As faculdades ou dons do Espírito se exercem com toda a liberdade após sua união com o corpo?

– O exercício das faculdades depende dos órgãos que lhes servem de instrumento: são enfraquecidas pela grosseria da matéria.

368 a Assim, o corpo material seria um obstáculo à livre manifestação das faculdades do Espírito, como um vidro opaco se opõe à livre emissão da luz?

– Sim, é como um vidro muito opaco.

 Pode-se ainda comparar a ação da matéria grosseira do corpo sobre o Espírito à de uma água lamacenta, que tira a liberdade dos movimentos dos corpos nela mergulhados.

369 O livre exercício das faculdades da alma está subordinado ao desenvolvimento dos órgãos?

– Os órgãos são os instrumentos da manifestação das faculdades da alma; essa manifestação depende do desenvolvimento e grau de perfeição desses mesmos órgãos, como a boa qualidade de um trabalho depende da boa qualidade da ferramenta.

370 Pode-se deduzir que, da influência dos órgãos na ação das faculdades do Espírito, possa haver uma relação entre o desenvolvimento do cérebro e das qualidades morais e intelectuais?

– Não se deve confundir o efeito com a causa. O Espírito tem sempre as faculdades que lhe são próprias. Não são, portanto, os órgãos que dão as faculdades e sim as faculdades que conduzem ao desenvolvimento dos órgãos.

370 a Assim sendo, a diversidade das aptidões no homem provém unicamente do estado do Espírito?

– Unicamente não é o termo mais exato; as qualidades do Espírito, que pode ser mais ou menos avançado, são o princípio; mas é preciso ter em conta a influência da matéria, que limita mais ou menos o exercício dessas faculdades.

 O Espírito, ao encarnar, traz certas predisposições, admitindo-se para cada uma um órgão correspondente no cérebro; o desenvolvimento desses órgãos será um efeito e não uma causa. Se as faculdades tivessem seu princípio nos órgãos, o homem seria uma máquina sem livre-arbítrio e sem responsabilidade por seus atos. Seria preciso admitir que os maiores gênios, os sábios, poetas, artistas, são gênios apenas porque o acaso lhes deu órgãos especiais, e que sem esses órgãos não seriam gênios. Assim, o maior imbecil poderia ser um Newton, um Virgílio1 ou um Rafael 2, se tivesse possuído certos órgãos. Essa suposição é mais absurda ainda quando aplicada às qualidades morais. Assim, conforme esse sistema, um São Vicente de Paulo, dotado por natureza desse ou daquele órgão, poderia ter sido um criminoso, e faltaria ao maior criminoso apenas um órgão para ser um São Vicente de Paulo. Admiti, ao contrário, que os órgãos especiais, se é que existem, são uma conseqüência, que se desenvolvem pelo exercício da faculdade, assim como os músculos, pelo movimento, e não tereis nada de irracional. Façamos uma comparação simples, mas verdadeira: por meio de certos sinais fisionômicos, reconheceis o homem dado à bebida; são esses sinais que o tornam ébrio, ou é a embriaguez que faz surgirem esses sinais? Pode-se dizer que os órgãos recebem a marca das faculdades.

Os deficientes mentais e a loucura

371 A opinião de que os deficientes mentais teriam uma alma inferior tem fundamento?

– Não. Eles têm uma alma humana, muitas vezes mais inteligente do que pensais, que sofre da insuficiência dos meios que tem para se manifestar, assim como o mudo sofre por não poder falar.

372 Qual o objetivo da Providência ao criar seres infelizes como os loucos e os deficientes mentais?

– São Espíritos em punição que habitam corpos deficientes. Esses Espíritos sofrem com o constrangimento que experimentam e com a dificuldade que têm de se manifestarem por meio de órgãos não desenvolvidos ou desarranjados.

372 a É exato dizer que os órgãos não têm influência sobre as faculdades?

– Nunca dissemos que os órgãos não têm influência. Têm uma influência muito grande sobre a manifestação das faculdades; porém, não as produzem; eis a diferença. Um bom músico com um instrumento ruim não fará boa música, mas isso não o impedirá de ser um bom músico.

 É preciso distinguir o estado normal do estado patológico3. No estado normal, a moral 4 suplanta o obstáculo que a matéria lhe opõe. Mas há casos em que a matéria oferece tanta resistência que as manifestações são limitadas ou deturpadas, como na deficiência mental e na loucura. São casos patológicos e, nesse estado, não desfrutando a alma de toda a sua liberdade, a própria lei humana a livra da responsabilidade de seus atos.

373 Qual pode ser o mérito da existência para seres que, como os loucos e os deficientes mentais, não podendo fazer o bem nem o mal, não podem progredir?

– É uma expiação obrigatória pelo abuso que fizeram de certas faculdades; é um tempo de prisão.

373 a O corpo de um deficiente mental pode, assim, abrigar um Espírito que teria animado um homem de gênio em uma existência precedente?

– Sim. A genialidade torna-se às vezes um flagelo quando dela se abusa.

 A superioridade moral nem sempre está em razão da superioridade intelectual, e os maiores gênios podem ter muito para expiar. Daí resulta freqüentemente para eles uma existência inferior à que tiveram e causa de sofrimentos. As dificuldades que o Espírito experimenta em suas manifestações são para ele como correntes que impedem os movimentos de um homem vigoroso. Pode-se dizer que deficientes mentais são aleijados do cérebro, assim como o coxo das pernas e o cego dos olhos.

374 O deficiente mental, no estado de Espírito, tem consciência de seu estado mental?

– Sim, muito freqüentemente; ele compreende que as correntes que impedem seu vôo são uma prova e uma expiação.

375 Qual é a situação do Espírito na loucura?

– O Espírito, no estado de liberdade, recebe diretamente suas impressões e exerce diretamente sua ação sobre a matéria. Porém, encarnado, se encontra em condições bem diferentes e na obrigatoriedade de só fazer isso com a ajuda de órgãos especiais. Se uma parte ou o conjunto desses órgãos for alterado, sua ação ou suas impressões, no que diz respeito a esses órgãos, são interrompidas. Se ele perde os olhos, torna-se cego; se perde o ouvido, torna-se surdo, etc. Imagina agora que o órgão que dirige os efeitos da inteligência e da vontade, o cérebro, seja parcial ou inteiramente danificado ou modificado e ficará fácil compreender que o Espírito, podendo dispor apenas de órgãos incompletos ou deturpados, deverá sentir uma perturbação da qual, por si mesmo e em seu íntimo, tem perfeita consciência, mas não é senhor para deter-lhe o curso, não tem como alterar essa condição.

375 a É então sempre o corpo e não o Espírito que está desorganizado?

– Sim. Mas é preciso não perder de vista que, da mesma forma como o Espírito age sobre a matéria, também a matéria reage sobre o Espírito numa certa medida, e que o Espírito pode se encontrar momentaneamente impressionado pela alteração dos órgãos pelos quais se manifesta e recebe suas impressões. Pode acontecer que, depois de um período longo, quando a loucura durou muito tempo, a repetição dos mesmos atos acabe por ter sobre o Espírito uma influência da qual somente se livra quando estiver completamente desligado de todas as impressões materiais.

376 Por que a loucura leva algumas vezes ao suicídio?

– O Espírito sofre com o constrangimento e a impossibilidade de se manifestar livremente, por isso procura na morte um meio de romper seus laços.

377 O Espírito de um doente mental é afetado, depois da morte, pelo desarranjo de suas faculdades?

– Pode se ressentir durante algum tempo após a morte, até que esteja completamente desligado da matéria, como o homem que acorda se ressente por algum tempo da perturbação em que o sono o mergulha.

378 Como a alteração do cérebro pode reagir sobre o Espírito após a morte do corpo?

– É uma lembrança. Um peso oprime o Espírito e, como não teve conhecimento de tudo que se passou durante sua loucura, precisa sempre de um certo tempo para se pôr a par de tudo; é por isso que, quanto mais tempo durar a loucura durante a vida terrena, mais tempo dura a opressão, o constrangimento após a morte. O Espírito desligado do corpo se ressente, durante algum tempo, da impressão dos laços que os uniam.

Infância

379 O Espírito que anima o corpo de uma criança é tão desenvolvido quanto o de um adulto?

– Pode até ser mais, se progrediu mais. São apenas órgãos imperfeitos que o impedem de se manifestar. Ele age em razão do instrumento, com que pode se manifestar.

380 Numa criança de tenra idade, o Espírito, exceto pelo obstáculo que a imperfeição dos órgãos opõe à sua livre manifestação, pensa como uma criança ou como um adulto?

– Quando é criança, é natural que os órgãos da inteligência, não estando desenvolvidos, não possam lhe dar toda a intuição de um adulto; ele tem, de fato, a inteligência bastante limitada, enquanto a idade faz amadurecer sua razão. A perturbação que acompanha a encarnação não cessa subitamente no momento do nascimento; ela somente se dissipa gradualmente, com o desenvolvimento dos órgãos.

 Uma observação em apoio dessa resposta é que os sonhos da criança não têm o caráter dos de um adulto; seu objeto é quase sempre infantil, o que é um indício da natureza das preocupações do Espírito.

381 Na morte da criança, o Espírito retoma imediatamente seu vigor anterior?

– Deve retomar, uma vez que está livre do corpo; entretanto, apenas readquire sua lucidez quando a separação é completa, ou seja, quando não existe mais nenhum laço entre o Espírito e o corpo.

382 O Espírito encarnado sofre, durante a infância, com as limitações da imperfeição de seus órgãos?

– Não. Esse estado é uma necessidade, está na natureza e de acordo com os planos da Providência: é um tempo de repouso para o Espírito.

383 Qual é, para o Espírito, a utilidade de passar pela infância?

– O Espírito, encarnando para se aperfeiçoar, é mais acessível, durante esse tempo, às impressões que recebe e que podem ajudar o seu adiantamento, para o qual devem contribuir aqueles que estão encarregados de sua educação.

384 Por que a primeira manifestação de uma criança é de choro?

– Para excitar o interesse da mãe e provocar os cuidados que lhe são necessários. Não compreendeis que, se houvesse apenas manifestações de alegria, quando ainda não sabe falar, pouco se preocupariam com suas necessidades? Admirai em tudo a sabedoria da Providência.

385 De onde vem a mudança que se opera no caráter em uma determinada idade e particularmente ao sair da adolescência? É o Espírito que se modifica?

– É o Espírito que retoma sua natureza e se mostra como era. Vós não conheceis o segredo que escondem as crianças em sua inocência, não sabeis o que são, o que foram, o que serão e, entretanto, as amais, lhes quereis bem, como se fossem uma parte de vós mesmos, a tal ponto que o amor de uma mãe por seus filhos é considerado o maior amor que um ser possa ter por outro. De onde vem essa doce afeição, essa terna benevolência que até mesmo estranhos sentem por uma criança? Vós sabeis? Não; é isso que vou explicar.

As crianças são os seres que Deus envia em novas existências e, para não lhes impor uma severidade muito grande, lhes dá todo o toque de inocência. Mesmo para uma criança de natureza má suas faltas são cobertas com a não-consciência de seus atos. Essa inocência não é uma superioridade real sobre o que eram antes; não, é a imagem do que deveriam ser e se não o são é somente sobre elas que recai a pena.

Mas, não é apenas por elas que Deus lhes dá esse aspecto, é também e principalmente por seus pais, cujo amor é necessário para sua fraqueza. Esse amor seria notoriamente enfraquecido frente a um caráter impertinente e rude, ao passo que, ao acreditar que seus filhos são bons e dóceis, lhes dão toda a afeição e os rodeiam com os mais atenciosos cuidados. Mas quando os filhos não têm mais necessidade dessa proteção, dessa assistência que lhes foi dada durante quinze ou vinte anos, seu caráter real e individual reaparece em toda sua nudez: conservam-se bons, se eram fundamentalmente bons; mas sempre sobressaem as características que estavam ocultas na primeira infância.

Vedes que os caminhos de Deus são sempre os melhores e, quando se tem o coração puro, a explicação é fácil de ser concebida.

De fato, imaginai que o Espírito das crianças pode vir de um mundo em que adquiriu hábitos totalmente diferentes; como gostaríeis que vivesse entre vós esse novo ser que vem com paixões completamente diferentes das vossas, com inclinações, gostos inteiramente opostos aos vossos? Como deveria se incorporar e alinhar-se entre vós de outra forma senão por aquela que Deus quis, ou seja, pelo crivo da infância? Aí se confundem todos os pensamentos, os caracteres e as variedades de seres gerados por essa multidão de mundos nos quais crescem as criaturas. E vós mesmos, ao desencarnar, vos encontrareis numa espécie de infância entre novos irmãos; e nessa nova existência não-terrestre ignorareis os hábitos, os costumes, as relações desse mundo novo para vós; manejareis com dificuldade uma língua que não estais habituados a falar, língua mais viva do que é hoje o vosso pensamento. (Veja, nesta obra, a questão 319.)

A infância tem ainda outra utilidade: os Espíritos apenas entram na vida corporal para se aperfeiçoar e melhorar; a fraqueza da idade infantil os torna flexíveis, acessíveis aos conselhos da experiência e dos que devem fazê-los progredir. É então que podem reformar seu caráter e reprimir suas más tendências; este é o dever que Deus confiou a seus pais, missão sagrada pela qual terão de responder. Por isso a infância não é somente útil, necessária, indispensável, mas é ainda a conseqüência natural das Leis que Deus estabeleceu e que regem o universo.

Simpatias e antipatias terrenas

386 Dois seres que se conhecem e se amam podem se encontrar em outra existência corporal e se reconhecer?

– Reconhecer-se, não; mas podem sentir-se atraídos um pelo outro. Freqüentemente, as ligações íntimas fundadas numa afeição sincera não têm outra causa. Dois seres aproximam-se um do outro por conseqüências casuais em aparência, mas que são de fato a atração de dois Espíritos que se procuram na multidão.

386 a Não seria mais agradável para eles se reconhecerem?

– Nem sempre; a lembrança das existências passadas teria inconvenientes maiores do que podeis imaginar. Após a morte, se reconhecerão, saberão o tempo que passaram juntos. (Veja, nesta obra, a questão 392.)

387 A simpatia vem sempre de um conhecimento anterior?

– Não. Dois Espíritos que se compreendem procuram-se naturalmente, sem que necessariamente se tenham conhecido em encarnações passadas.

388 Os encontros que ocorrem, algumas vezes, e que se atribuem ao acaso não serão o efeito de uma certa relação de simpatia?

– Há entre os seres pensantes laços que ainda não conheceis. O magnetismo é que dirige essa ciência, que compreendereis melhor mais tarde.

389 De onde vem a repulsa instintiva que se tem por certas pessoas, à primeira vista?

– Espíritos antipáticos que se adivinham e se reconhecem sem se falar.

390 A antipatia instintiva é sempre um sinal de natureza má?

– Dois Espíritos não são necessariamente maus por não serem simpáticos um para com o outro. A antipatia pode se originar da diferença no modo de pensar. Mas, à medida que se elevam, as divergências se apagam e a antipatia desaparece.

391 A antipatia entre duas pessoas se manifesta primeiro naquela cujo Espírito é pior ou melhor?

– Tanto em um quanto no outro, mas as causas e os efeitos são diferentes. Um Espírito mau tem antipatia contra qualquer pessoa que possa julgá-lo e desmascará-lo. Ao ver uma pessoa pela primeira vez, sabe que vai ser desaprovado; seu afastamento dessa pessoa se transforma em ódio, em ciúme, e lhe inspira o desejo de fazer o mal. O Espírito bom sente repulsa pelo mau porque sabe que não será compreendido e não partilharão dos mesmos sentimentos, mas, seguro de sua superioridade, não tem contra o outro ódio ou ciúme, contenta-se em evitá-lo e lastimá-lo.

Esquecimento do passado

392 Por que o Espírito encarnado perde a lembrança de seu passado?

– O homem não pode nem deve saber tudo. Deus em Sua sabedoria quer assim. Sem o véu que lhe encobre certas coisas, o homem ficaria deslumbrado, como aquele que passa sem transição do escuro para a luz.O esquecimento do passado o faz sentir-se mais senhor de si.

393 Como o homem pode ser responsável por atos e reparar faltas das quais não tem consciência? Como pode aproveitar a experiência adquirida em existências caídas no esquecimento? Poderia se conceber que as adversidades da vida fossem para ele uma lição ao se lembrar do que as originou; mas, a partir do momento que não se lembra, cada existência é para ele como a primeira e está, assim, sempre recomeçando. Como conciliar isso com a justiça de Deus?

– A cada nova existência o homem tem mais inteligência e pode melhor distinguir o bem do mal. Onde estaria o mérito, ao se lembrar de todo o passado? Quando o Espírito volta à sua vida primitiva (a vida espírita), toda sua vida passada se desenrola diante dele; vê as faltas que cometeu e que são a causa de seu sofrimento e o que poderia impedi-lo de cometê-las. Compreende que a posição que lhe foi dada foi justa e procura então uma nova existência em que poderia reparar aquela que acabou. Escolhe provas parecidas com as que passou ou as lutas que acredita serem úteis para o seu adiantamento, e pede a Espíritos Superiores para ajudá-lo nessa nova tarefa que empreende, porque sabe que o Espírito que lhe será dado por guia nessa nova existência procurará fazê-lo reparar suas faltas, dando-lhe uma espécie de intuição das que cometeu. Essa mesma intuição é o pensamento, o desejo maldoso que freqüentemente vos aparece e ao qual resistis instintivamente, atribuindo a maior parte das vezes essa resistência aos princípios recebidos de vossos pais, enquanto é a voz da consciência que vos fala. Essa voz é a lembrança do passado, que vos adverte para não recair nas faltas que já cometestes. O Espírito, ao entrar nessa nova existência, se suporta essas provas com coragem e resiste, eleva-se e sobe na hierarquia dos Espíritos, quando volta para o meio deles.

 Se não temos, durante a vida corporal, uma lembrança precisa do que fomos e do que fizemos de bem ou mal em existências anteriores, temos a intuição disso, e nossas tendências instintivas são uma lembrança do nosso passado, às quais nossa consciência, que é o desejo que concebemos de não mais cometer as mesmas faltas, nos adverte para resistir.

394 Nos mundos mais avançados que o nosso, onde os habitantes não são oprimidos por todas as nossas necessidades físicas e enfermidades, os homens compreendem que são mais felizes do que nós? A felicidade, em geral, é relativa. Nós a sentimos em comparação a um estado menos feliz. Como, definitivamente, alguns desses mundos, ainda que melhores que o nosso, não estão no estado de perfeição, os homens que os habitam devem ter seus motivos de aborrecimentos. Entre nós, o rico, que não tem angústias de necessidades materiais como o pobre, tem, ainda assim, outras que tornam sua vida amarga. Portanto, pergunto: em sua posição, os habitantes desses mundos não se crêem tão infelizes quanto nós e não se lamentam de sua sorte, já que não têm lembrança de uma existência inferior para servir de comparação?

– Para isso, é preciso dar duas respostas diferentes. Há mundos, entre esses que citastes, onde os habitantes têm uma lembrança muito clara e precisa de suas existências passadas; estes, vós o compreendeis, podem e sabem apreciar a felicidade que Deus lhes permite saborear. Há outros onde os habitantes, como dissestes, colocados em melhores condições do que vós, na Terra não têm grandes aborrecimentos nem infelicidades. Esses não apreciam sua felicidade pelo fato de não se lembrarem de um estado ainda mais infeliz. Entretanto, se não a apreciam como homens, apreciam como Espíritos.

 Não há no esquecimento das existências passadas, principalmente nas que foram dolorosas, qualquer coisa de providencial, em que se revela a sabedoria divina? É nos mundos superiores, quando a lembrança das existências infelizes não passa de um sonho ruim, que elas se apresentam à memória. Nos mundos inferiores, as infelicidades atuais não seriam agravadas pela lembrança de tudo que se suportou?

Concluamos: tudo que Deus fez é bem-feito e não nos cabe criticar suas obras e dizer como deveria reger o universo.

A lembrança de nossas individualidades anteriores teria inconvenientes muito graves; poderia, em certos casos, nos humilhar muito; em outros, exaltar nosso orgulho e, por isso mesmo, dificultar nosso livre-arbítrio. Deus deu, para nos melhorarmos, exatamente o que é necessário e basta: a voz da consciência e nossas tendências instintivas, privando-nos do que poderia nos prejudicar. Acrescentemos ainda que, se tivéssemos lembrança de nossos atos pessoais anteriores, teríamos igualmente a dos outros, e esse conhecimento poderia ter os mais desastrosos efeitos sobre as relações sociais. Não havendo motivos de glória no passado, é bom que um véu seja lançado sobre ele. Isso está perfeitamente de acordo com a Doutrina dos Espíritos sobre os mundos superiores ao nosso. Nesses mundos, onde apenas reina o bem, a lembrança do passado nada tem de doloroso; eis por que neles pode se saber da existência anterior, como sabemos o que fizemos ontem. Quanto à estada que fizeram nos mundos inferiores, não é mais, como dissemos, do que um sonho ruim.

395 Podemos ter algumas revelações de nossas existências anteriores?

– Nem sempre. Muitos sabem, entretanto, o que foram e o que fizeram; se fosse permitido dizer abertamente, fariam singulares revelações sobre o passado.

396 Certas pessoas acreditam ter uma vaga lembrança de um passado desconhecido que se apresenta a elas como a imagem passageira de um sonho, que se procura, em vão, reter. Essa idéia é apenas ilusão?

– Algumas vezes é real; mas muitas vezes é também ilusão contra a qual é preciso ficar atento, porque pode ser o efeito de uma imaginação superexcitada.

397 Nas existências de natureza mais elevadas que a nossa, a lembrança das existências anteriores é mais precisa?

– Sim; à medida que o corpo se torna menos material, as lembranças se revelam com mais exatidão. A lembrança do passado é mais clara para os que habitam mundos de uma ordem superior.

398 Pelo estudo de suas tendências instintivas, que são uma recordação do passado, o homem pode conhecer os erros que cometeu?

– Sem dúvida, até certo ponto; mas é preciso se dar conta da melhora que pôde se operar no Espírito e as resoluções que ele tomou na vida espiritual. A existência atual pode ser bem melhor que a precedente.

398 a Ela pode ser pior? Ou seja, o homem pode cometer numa existência faltas que não cometeu em existências precedentes?

– Isso depende de seu adiantamento; se não resistir às provas, pode ser levado a novas faltas, que são conseqüência da posição que escolheu. Mas, em geral, essas faltas mostram antes um estado estacionário do que retrógrado, porque o Espírito pode avançar ou estacionar, mas nunca retroceder.

399 Os acontecimentos da vida corporal são, ao mesmo tempo, uma expiação pelas faltas passadas e provas que visam ao futuro. Pode-se dizer que da natureza dessas situações se possa deduzir o gênero da existência anterior?

– Muito freqüentemente, uma vez que cada um é punido pelos erros que cometeu; entretanto, não deve ser isso uma regra absoluta. As tendências instintivas são a melhor indicação, visto que as provas pelas quais o Espírito passa se referem tanto ao futuro quanto ao passado.

 Alcançado o fim marcado pela Providência para sua vida na espiritualidade, o próprio Espírito escolhe as provas às quais quer se submeter para acelerar seu adiantamento, ou seja, o gênero de existência que acredita ser o mais apropriado para lhe fornecer esses meios e cujas provas estão sempre em relação com as faltas que deve expiar. Se triunfa, se eleva; se fracassa, deve recomeçar.

O Espírito sempre desfruta de seu livre-arbítrio. É em virtude dessa liberdade que escolhe as provas da vida corporal. Uma vez encarnado, delibera o que fará ou não e escolhe entre o bem e o mal. Negar ao homem o livre-arbítrio seria reduzi-lo à condição de uma máquina.

Ao entrar na vida corporal, o Espírito perde, momentaneamente, a lembrança de suas existências anteriores, como se um véu as ocultasse; entretanto, às vezes, tem uma vaga consciência disso e elas podem até mesmo lhe ser reveladas em algumas circunstâncias. Mas é apenas pela vontade dos Espíritos Superiores que o fazem espontaneamente, com um objetivo útil e nunca para satisfazer uma curiosidade vã.

As existências futuras não podem ser reveladas em nenhum caso, porque dependem da maneira que se cumpra a existência atual e da escolha que o Espírito virá a fazer.

O esquecimento das faltas cometidas não é um obstáculo ao melhoramento do Espírito porque, se não tem uma lembrança precisa disso, o conhecimento que teve delas quando estava na espiritualidade e o compromisso que assumiu para repará-las o guiam pela intuição e lhe dão o pensamento de resistir ao mal; esse pensamento é a voz da consciência, sendo auxiliado pelos Espíritos Superiores que o assistem, se escuta as boas inspirações que sugerem.

Se o homem não conhece os atos que cometeu em suas existências anteriores, pode sempre saber de que faltas tornou-se culpado e qual era seu caráter dominante. Basta estudar a si mesmo e julgar o que foi não pelo que é, mas por suas tendências.

As contrariedades e os reveses da vida corporal são, ao mesmo tempo, uma expiação pelas faltas passadas e provas para o futuro. Elas nos purificam e elevam, se as suportamos com resignação e sem reclamar.

A natureza dessas alternâncias da vida e das provas que suportamos pode também nos esclarecer sobre o que fomos e o que fizemos, como aqui na Terra julgamos os atos de um culpado pelo castigo que a lei lhe impõe.

Assim, o orgulhoso será castigado em seu orgulho pela humilhação de uma existência subalterna; o mau rico e o avaro, pela miséria; aquele que foi duro para com os outros sofrerá, por sua vez, durezas; o tirano, escravidão; o mau filho, pela ingratidão de seus filhos; o preguiçoso, por um trabalho forçado, etc.


  1. Virgílio: Poeta latino. Autor da Eneida. Viveu entre 71 e 19 a.C (N. E.).
  2. Rafael: Rafael Sanzio (1483-1520) pintor, escultor e arquiteto italiano (N. E.).
  3. Estado patológico: situação em que o organismo sofre alterações provocadas por doenças (N. E.).
  4. A moral: o conjunto das virtudes; a vergonha; o brio (N. E.).

http://www.espirito.org.br/portal/codificacao/le/le-2-07.html

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