sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A incoerência católica (Coluna Religião - Jornal A Tarde - 03/08/2011)


A incoerência católica (Coluna Religião - Jornal A Tarde - 03/08/2011)

por Medrado Cidade da Luz, sexta, 5 de agosto de 2011 às 21:41

Minha saudosa mãe me ensinou muitos interessantes ditados, e agora me ocorre um especial: "Vale mais ser do que parecer".

 

Mais uma vez, recebo muitos e-mails dizendo que a diocese de Salvador, pela TVE da Bahia, age contra a lei quando, por interesse próprio, passa por cima de tudo, guardando apenas o entendimento de que "farinha pouca, meu pirão primeiro". Retorno aqui ao programa Chão e Paz transmitido todos os domingos pela TV Educativa da Bahia, terra de todos nós. Chama-me a atenção é que para continuar fazendo um "agradinho" à Igreja Católica, a nossa TV, posto que pública, não dá a menor bola para as outras religiões interessadas em sua grade de programação. Afirma que não está gastando dinheiro público, pois é a Igreja que paga toda a produção. Ora, ora, isso significa que antes se fazia uma farra, gastava-se sem controle o dinheiro público em proselitismo de uma religião, dentro de um Estado laico de direito?

 

É bom que se esclareça que não guardo nada pessoal contra quem quer que seja, sou um pacifista, mas ponham a mão na consciência e me respondam: se fosse o Candomblé já não teria deixado a TVE, mesmo algum segmento evangélico? Claro que sim. No caso em comento, todavia, o medo do "poder" embolorado da Igreja Católica prevalece. Não gostaria que saísse o programa católico, mas gostaria de ver programas de outras diversidades religiosas, inclusive a minha: espírita.

 

O que se vê é que a Igreja Católica sai completamente daquilo que Eduardo Luft, em Sobre a Coerência do Mundo, fala, pois, no que a Igreja tem interesse em defender, apóia-se na lei, gera uma norma universalista que prima pela coerência de seus postulados; mas, em outras esferas, no caso de estar incidindo em uma ilegalidade, pois está de encontro à Constituição Federal fazendo proselitismo em uma TV estatal, a tal coerência entre o discurso e seu padrão de realidade cai da sua aura vestal e vai para os interesses próprios.

 

É sabido que Sócrates e Platão elaboraram o contexto do surgimento da ética como área de conhecimento, por conta da insatisfação com o relativismo moral que foi conseqüência da crítica aos códigos de conduta tradicionais de então. Ou seja, a ética apareceu como forma de não se flexibilizar valores e condutas de acordo com os interesses e práticas antagônicas entre si.

 

Assim, na história da ética, é o próprio Platão o primeiro a enunciar o princípio de coerência como central para o julgamento moral, num pequeno diálogo chamado Críton ou sobre o Dever. Críton era o nome de um amigo de Sócrates, que o teria visitado na madrugada anterior à execução da sentença de morte contra este, injustamente imposta pelas autoridades de Atenas, então no poder. Críton vem propor que Sócrates fuja de Atenas e vá se exilar em outro Estado. Surpreendentemente, Sócrates não aceita, com base na idéia de que tal ato seria imoral porque seria incoerente com tudo que havia feito e defendido ao longo de toda sua vida. Sempre fora fiel às leis de Atenas e tinha isso como uma forma de contrato entre ele e seu país que, em troca, lhe dava uma cidadania e proteção. Descumprir um contrato é ser incoerente com o que se afirmou antes, e nenhuma conveniência pessoal seria razão suficiente para não cumprir uma decisão tomada por uma instituição ateniense, por mais penosa que lhe fosse.

 

Assim, penso que a nossa TVE, nossa, sim, do povo da Bahia, deva continuar revendo seus valores morais e éticos, ou ainda de fundo político e/ou inconfessável pois, todos nós, membros, líderes de outras religiões, temos os mesmos direitos e privilégios dados à Igreja Católica. E aos senhores prelados, penso que não cabe o jeitinho de ligar para autoridades, não, pois o certo é que dura lex sed lex.

 

José Medrado

Fundador e presidente do complexo Cidade da Luz (Salvador-BA)

Nenhum comentário: