quarta-feira, 9 de junho de 2010

Objetivos do Milênio exigem desenvolvimento, não caridade


Por Gustavo Capdevila, da IPS

Genebra, 31/5/2010 – Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) vieram à luz no lugar adequado, a Organização das Nações Unidas, mas no momento mais inoportuno, setembro de 2000, quando ainda imperavam no mundo as ideias econômicas sobre a supremacia do mercado. Esse nascimento marcou em grande parte a sorte das metas do milênio, idealizadas para eliminar, ou reduzir drasticamente, até 2015, algumas das desgraças sociais e econômicas, como fome, pobreza extrema, analfabetismo ou desigualdade de gênero, que impedem a consolidação de sociedades mais avançadas e igualitárias no mundo.

 

Essa plataforma foi adotada em uma sessão especial da Assembleia Geral da ONU e assinada, com suas respectivas metas e indicadores, pelos governos do mundo. Apesar da deficiência original, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) reconhece que os ODM são a melhor política de desenvolvimento que a ONU já concebeu em seus 65 anos de vida.

 

"Os ODM são uma coisa maravilhosa", disse um entusiasmado Supachai Panitchpakdi, secretário-geral da Unctad, no dia 28. Porém, os especialistas desse organismo afirmam que estão baseados apenas no credo do mercado, dominante nas décadas de 80 e 90, e regido pelos preceitos do chamado Consenso de Washington, que prescrevia o enfraquecimento do Estado e o domínio econômico das forças do mercado.

 

Supachai recordou que essa concepção assegurava que o mercado resolveria todos os problemas econômicos dos ODM. "Se fizer o certo, se comportar bem, colocar em dia seu orçamento e comercializar de maneira adequada, terá sua recompensa. Eram os mandamentos desse ideário", disse o chefe da Unctad. "Mas nada disso aconteceu", comprovou.

 

Dos oito objetivos, apenas dois se ocupam claramente de aspectos econômicos. O primeiro propõe reduzir pela metade a porcentagem de pessoas que em 1990 tinham renda inferior a um dólar diário. A esta meta foi agregado depois, por pressão da Organização Internacional do Trabalho, o compromisso de conseguir emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos, incluindo mulheres e jovens.

 

O oitavo objetivo fala em aumentar o desenvolvimento de um sistema comercial e financeiro aberto, baseado em normas, previsível e não discriminatório. Também contém cláusulas a favor dos países menos adiantados e de outras nações marginalizadas e endividadas. Os demais ODM se referem a aspectos sociais, como ensino primário, igualdade de gênero e poder das mulheres, e a questões primordiais de saúde, além de uma meta de sustentabilidade ambiental.

 

Segundo a concepção da época, o mercado se encarregaria dos objetivos econômicos e sobre a ONU recairiam as responsabilidades das metas sociais. Por essa razão, a destinação de fundos provenientes da ajuda oficial ao desenvolvimento (AOD) deixou de ser orientada para as atividades econômicas, como os investimentos em agricultura, industrialização e infraestrutura, e se voltaram para as áreas sociais.

 

"Isso não foi errado. O erro consistiu em não ter havido um equilíbrio, ocorrendo um deslocamento total do investimento das atividades econômicas para as sociais", disse Supachai. A Unctad examinará, nos dias 8 e 9 de junho, na sessão anual da sua Junta de Comércio e Desenvolvimento, o órgão de controle da instituição, um estudo que fixará sua posição perante os ODM. O documento da Unctad será apresentado a uma reunião de alto nível da Assembleia Geral das Nações Unidas, que analisará, em setembro, os progressos alcançados pelos ODM.

 

Supachai observou que foram alcançados vários êxitos em áreas como matrícula no ensino primário e também em questões de gênero. Sobre a redução da pobreza, a Ásia obteve progressos decisivos, acrescentou. Também a África apresentou melhoras na redução da pobreza, até começarem as crises financeira, alimentar, energética e ambiental. Agora, com cerca de 30 milhões de novos desempregados, esse continente voltou a retroceder.

 

Do estudo da Unctad se depreende que os países da Ásia que atingiram avanços claros contra a pobreza não investiram apenas nas áreas sociais, mas também em atividades produtivas. Dessas observações, os especialistas deduzem que os ODM podem ter falhado em uma questão importante: carecem de metas em matéria de crescimento econômico e emprego. Se formos atrás de todo tipo de metas sociais sem atender os objetivos de crescimento e emprego, como iremos financiá-las?, perguntou Supachai.

 

Diante dessa encruzilhada, os países pobres dependem das "esmolas dos doadores, mas estas não chegam". O déficit da AOD, de aproximadamente US$ 20 bilhões anuais, remonta ao compromisso assumido em 2005, em Gleneagles, na Escócia, pelos sete países mais poderosos, integrantes do Grupo dos Oito (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia). A quantia que falta, chega a centenas de bilhões de dólares e não será saldada no futuro imediato, previu Supachai.

 

A Unctad entende que a AOD tem um comportamento cíclico e que para enfrentar seus efeitos é necessária uma assistência anticíclica, que seja colocada em funcionamento quando os doadores se retraem. Outra recomendação da Unctad é a orientação dos investimentos, públicos e privados, como também das políticas monetárias e fiscais, para as áreas produtivas, "porque precisamos vinculá-las com a criação de emprego".

 

Para a Unctad é preocupante o aumento das desigualdades, fator que se deteriorou a ponto de poder desembocar em desordem social, segundo Supachai. Esta agência da ONU pretende que os ODM sejam apresentados agora à luz do "crescimento com inclusão", um estágio que os especialistas da instituição definem como "círculo virtuoso", que pode ser alcançado mediante investimentos em atividades econômicas que logo se traduzirão em investimentos em atividades sociais. Do contrário, não haverá círculo virtuoso e tampouco serão alcançados os ODM, alertam os especialistas.

 

(IPS/Envolverde)

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